quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Sabes quem eu sou? Eu não sei .



Sabes quem eu sou? Eu não sei.
Outrora, onde o nada foi
Fui o vassalo e o rei,
É dupla a dor que me dói.
Duas dores eu passei.


 Fui tudo o que pode haver
Ninguém me quis esmolar;
E entre o pensar e o ser
Senti a vida passar
Como um rio sem correr

Fernando Pessoa
Poesias inéditas
(1930-1935) 1955

          « Estrangeiro aqui e em toda a parte»

Pessoa viveu como o Marinheiro do seu drama simbolista, por conta de um futuro que ainda não existe . É a leitura dos seus poemas quem o faz  adivinhar e apetecer . Há meio século isso era mais sensível para quem o descobria, e nele se descobria do que hoje, em que se tornou o lugar comum da cultura portuguesa e um ícone incontestável da cultura universal . O que ele desejou a vida inteira foi estar nu, nu culturalmente como ninguém  antes dele o estivera, pois não havia verdade ou verdades que pudessem ou tivessem o condão de o vestir.

Na ordem aparente da vida, o seu sonho fracassou inteiramente .
 Ninguém suportou a sua nudêz.

Todos nos consertámos para lhe oferecer a pátria que não teve, não queria e não podia ter.
Pessoa clamou isso em todos os tons, do fundo do poço com vista virtual para um céu que não o podia ouvir.
 Tem hoje a superpátria, que nem mesmo nos seus sonhos mais vertiginosos não se atrevera a imaginar. . Nunca esteve mais só, que no seu trono de pura glória. E já ninguém o pode devolver à sua solidão original, tão rente à alma de onde surgiam, como do caos mesmo os poemas onde ele era o absoluto estrangeiro de si mesmo,

 LuzB
                           

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

A origem do Natal


O Natal e a Páscoa as principais festas do calendário cristão,  tiveram a sua origem na superstição e nos rituais pagãos  séculos antes do nascimento de Cristo.
Só no século lV o dia 25 de Dezembro foi definitivamente fixado como  festa da Natividade, porque o hábito pagão de que derivavam os hábitos cristãos se realizava por volta dessa data.Até então  era a festa do Solstício de inverno, uma combinação  do Festival escandinavo de Yule  e das Saturnais dos romanos

Uma semana de festins

Os festejos romanos prolongavam-se por sete dias e constituiam uma ocasião para troca de presentes - hábito pagão incorporado no Natal.
 Mesmo os mais acérrimos defensores não logravam erradicar a noção de que os Saturnais eram época de diversão


Os romanos costumavam trocar de papel com os seus escravos que elegiam o seu próprio "rei" para a festividade o qual presidia a um grande banquete a que o amo o servia com todas as honras assim como a todos os seus companheiros de escravidão.
No final da ceia os escravos- rei  eram conduzidos para o anfiteatro, onde eram executados


Em Inglaterra há  um hábito semelhante nas forças armadas inglesas em que os oficiais seguindo a tradição romana servem a ceia de Natal na messe aos soldados.


Quando invadiram a Inglaterra em 1066 os Normandos introduziram nas festividades natalícias um rei fantoche com o  nome  Lord da Confusão cuja missão era garantir a realização das festividades segundo os velhos métodos pagãos.




Árvores de Natal e velas, são tradições escandinavas ; eram símbolos de fogo e da luz que aliviavam os homens do frio e das trevas do inverno nórdico .


Séculos depois e com a implantação do cristianismo surgiram as canções e os autos de Natal
E o Pai Natal substituiu  Lord Confusão no seu  traje vermelho como  S. Nicolau o santo patrono das crianças



* Saturnais
Nome de uma festa da Roma antiga em honra de Saturno, o deus romano das colheitas. A festa começava a 17 de Dezembro e durava sete dias.


*Festival  de Yule
É uma comemoração do norte da Europa pré-cristã. Os germanicos celebravam o Yule desde o final de Dezembro ao primeiro dia de Janeiro, abrangendo o solstício de inverno.


quinta-feira, 26 de novembro de 2020

A raposa e a rã

 


Um rã saiu do charco e, trepando para um alto, anunciou a todos quantos ali estavam que podia curar todas as doenças. 

Fez um grande discurso, servindo-se de muitas palavras compridas, e pouco usuais, que ninguém compreendia, e muitos animais começaram a dar provas de admiração pela rã.

Por fim, apareceu a raposa « Ai podes curar todas as doenças ?» perguntou. «Então minha amiga, diz-me por favor, como te propões curar os outros quando tu própria tens um queixo de rabeca, uma cara pálida e miserável, e uma pele cheia de manchas ??» 

Moral da história: Não devemos armar-nos em professores dos outros quando nós próprios cometemos os mesmos erros!     ≧❀‿❀≦

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Do Livro do Desassossego

A minha imagem, tal qual eu a via nos espelhos, anda sempre ao colo da minha alma. 
Eu não podia ser senão curvo e débil como sou, mesmo nos meus pensamentos. 
Tudo em mim é de um príncipe de cromo colado no album velho de uma criancinha que morreu sempre há muito tempo. 
Amar-me é ter pena de mim.
 Um dia, lá para o fim do futuro, alguém escreverá sobre mim um poema, e talvez só então eu comece a reinar no meu Reino.

Deus é o existirmos, e isto não ser tudo...

 ¸¸.•*•❥¸¸.•*•❥
 É impossível não sentir uma certa emoção com a leitura da opinião que Pessoa tem de si mesmo.
Vezes sem conta  li este capítulo  o nº 22 do Livro do Desassossego ...Em mim há um misto de emoções......Pensar que para lá  do futuro e como ele vaticinou, mas mal imaginaria a dimensão, o "seu Reino" quase um século depois, é conhecido e admirado em todos os cantos do mundo!

Verdadeiramente, um ser humano  extraordinário!...

     

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Visita a Lin-Yutang

 


Das Crónicas de Gog

Cambridge (Massassuchetes ) , 29 de Outubro de 1951  

Consegui finalmente, travar relações com  Lin-Yutang o chinês mais inteligente que conheço.

Lera com vivo prazer alguns livros seus e empenhava-me em saber as suas últimas opiniões sobre a sua pátria.

Lin-Yutang é um homem franco e cordial; nada tem do professor, pedante, do diplomata; sorri com frequência, mesmo quando fala em coisas sérias. Quis responder à minha interrogação sem os habituais preambulos precautórios.

- O povo chinês - disse-me - é o mais perigoso que há no mundo  e, por isso, está destinado a dominar a terra. 

Por séculos e séculos ficou fechado nos confins do imenso império porque acreditava que o resto do planeta não tinha nenhuma importância. Mas os Europeus e, depois os Japoneses, abriram-lhe os olhos, os ouvidos e o espírito. Quiseram à força arrancar-nos do nosso covil e hão-de pagar caro a sua cobiça e curiosidade. Há um século que os chineses esperam a vingança e vingar-se-ão .

 A  revolta dos Boxers, em 1900, não foi senão a primeira tentativa mal conduzida e mal sucedida. Mas o povo chinês é astuto e paciente: escolheu outros caminhos. Em 1910 converteu-se à diplomacia republicana; em 1948, ao comunismo. Na realidade os Chineses não são conservadores, nem democráticos, nem comunistas. São simplesmente Chineses, isto é, uma espécie humana à parte, que pretende viver e sobreviver, que se multiplica e se deve expandir mais por necessidade biológica que por ideologia política .

 O povo chinês é imortal, sempre igual a si mesmo, sob todas as dominações . Nem os Tártaros, nem os Japoneses, nem os americanos, nem os Russos conseguiram ou conseguirão transformá-lo. Pulula e alastra como um gigantesco polipeiro, tenaz e compacto, que nenhum estrangeiro conseguirá fender .

 As  invasões não o domaram, as guerras perdidas não o venceram, as carestias não o dizimaram, as infecções não o enfraqueceram, o ópio não o estupidificou, as revoluções não o abalaram. Nenhum outro povo pode esperar dominá-lo ou repeli-lo. É um povo manhoso e cruel, povo de mercadores e intrujões, de bandidos e carrascos, que sabe socorrer-se para os seus fins, ora do engano, ora da ferocidade. Está fadado, pois, a ser o senhor do Mundo, porque os outros povos são mais ingénuos e bondosos do que ele. Levará o tempo  que for preciso, mas o futuro pertence-lhe.

Quando o imperador Guilherme II, há cinquenta anos, e  o «perigo amarelo», teve o maior clarão de génio de toda a sua vida. Zombaram então da imperial ave de mau agoiro, mas a História prepara-se para lhe dar razão.

Os Chineses começaram por mandar vanguardas a todos os países do mundo: à Malásia, à Indonésia a quase todas as terras da Ásia. Existem bairros chineses Em S. Francisco Nova Iorque Londres e Paris . No principio após-guerra os vendedores ambulantes chineses, apareceram com o pretexto de vender pérolas falsas nas ruas de Berlim e de Roma de Madrid e do Cairo. Não eram mais que os primeiros mensageiros do grande derrame.

Os chineses serviram-se da republica de Sun-Yat-Sen para se livrar dos parasitas do velho Império  Manchú ; serviram-se do bolchevismo para se desfazer dos parasitas da república burguesa; livrar-se-ão qualquer dia sob uma bandeira escolhida por comodidade, dos parasitas do comunismo. São um povo sem escrúpulos, que se utiliza das ideias mas  recusa a tornar-se escravo delas; a ela pertencerá, com o tempo, a Terra .

O essencial, para a infinita massa de chineses, é gerar  filhos e ter arroz suficiente para os sustentar : tudo o mais, são disfarces, pretextos . A terra deles é grande, mas pobre, e, portanto a pouco e pouco serão impelidos a ocupar outros países . O Tibet , a Coreia, a Indochina  a península de Malaca serão os primeiros bocados. Mas o apetite vem a comer . Mal tenham o suficiente de armas modernas, ninguém poderá detê-los, e esses quinhentos milhões de famintos, astuciosos e cruéis, nem mesmo os duzentos de eslavos. Já na Idade Média os mongóis invadiram a Rússia e alcançaram os confins de Itália ; na nova Idade Média que se prepara ; a América conseguirá salvar-se, mas não para sempre . 

O « perigo amarelo» tornar-se-á dentro de gerações a «dominação amarela». Na vossa ideia de ocidentais, o amarelo é a cor da inveja e do livor; os amarelos não podem suportar que haja raças superiores, e submetê-las-ão. O seu domínio, não será suave nem fácil, mas apesar de tudo o Celeste Império tornar-se-á  um dia remoto, embora o Império em que o sol nunca se eleva, nem se põe.


Está a falar a sério, perguntei a Lin-Yutang? 

Não há nada de mais sério Mister Gog , respondeu o genial ainda se ria.chinês e largou uma gargalhada tão alegre e inextinguível que me assustou . Já não conseguia dizer palavra, e quando o deixei, ainda se ria


Do Livro Negro de Giovanni Papini 1951 

Lin -Yutang foi um escritor chinês  cujo trabalho original e traduções de textos clássicos se tornaram muito populares no Ocidente 

Nasceu em 1895 

Faleceu em 1976




quinta-feira, 27 de agosto de 2020

O Reino de Preste João





O Atlas desenhado em 1558 pelo cartógrafo português Diogo Homem representa o Preste João governando o seu reino . Durante séculos aventureiros procuraram em vão esta terra de leite e mel

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No começo do século XX, missionários portugueses estabelecidos no reino da Etiópia, descobriram antigas bandeiras e espadas cristãs, transmitidas de geração para geração, juntamente com a lenda de terem pertencido um dia a um soberano cristão de aparência divina

Terá sido esse rei o lendário Preste João? Durante séculos, persistiram as histórias que consignavam a existência de um rei-sacerdote, fabulosamente rico e da sua misteriosa terra situada no Oriente, onde reinavam a paz e a justiça e que desconheciam o vício e a pobreza.

Era também, uma terra de maravilhas. Na Idade Média, um viajante escreveu: «Nesta região, não crescem ervas venenosas nem se ouve o coaxar ruidoso das rãs, nem a serpente desliza por entre a erva alta».

Chegar até esse reino supunha uma viagem verdadeiramente apavorante. No deserto viviam selvagens de «aspecto temível: usam chifres não falam, e apenas grunhem, como porcos». Em outras regiões havia pigmeus , gigantes e, finalmente uma raça aterrorizante «que se alimenta de carne humana e de crias prematuras e que não nutre qualquer receio pela morte».
«Quando algum destes homens morre, os seus amigos e parentes devoram-no sofregamente, pois consideram seu dever principal, mastigar carne humana.

O Palácio de Preste João era de cristal, e revestido de pedras preciosas. Um espelho mágico avisava-o de qualquer conspiração eminente.

A fonte da Juventude
O rei dormia num leito de safiras. Os seus trajes eram feitos de lã e salamandras e purificados ao fogo .
Os seus guerreiros cavalgavam através dos ares, sobre dragões selados percorrendo os céus. A fonte da juventude era acessível a todos, e o próprio rei contava 562 anos.

O Preste João - cujo primeiro nome significava sacerdote - era considerado o chefe dos Nestorianos, uma primitiva seita cristã e descendente de um dos três Reis Magos.
Segundo parece, um dos primeiros relatos sobre este monarca foram divulgados no ano de 1145 pelo bispo Hugo de Gebel (no actual Líbano). Os cristãos nestorianos, participavam nas lutas vitoriosas do conquistador mongol Yeh-Lu Tah-shi, e o próprio bispo poderá ter confundido deliberadamente as narrativas, com a intenção premeditada de fazer crer que os conquistadores professavam a religião cristã.

Posteriormente no ano de 1165 circulou pelas várias cortes da Europa, uma carta falsificada, da qual existem ainda várias cópias, uma no Museu Britãnico e supostamente escrita pelo próprio Prestes João e dirigida ao Imperador bisantino Manuel, refere-se àquele senhor da India e «rei dos reis».
Em 1177 O Papa Alexandre III a «João o ilustre e magnificente e rei das Indias». na qual autorizava o monarca a construir um santuário em Roma procedendo assim à unificação da Igreja Cristã.

A lenda foi obliterada em 1221, ano em que um ilustre prelado  - O Bispo de Acre - informou Roma de que o rei David da India , (provávelmente o conquistador tártaro Genghis Khan ) era supostamente um neto do famoso Prestes João.

As histórias sobre o célebre monarca reviveram com tal intensidade que famosos viajantes como Monte Corvino e Marco Polo, tentaram embora sem alcançarem qualquer  êxito, encontrar o reino do Prestes João.
Na segunda metade do século XIV a atenção concentrou-se na Abissínia, a actual Etiópia, na qual se cria que Preste João era o rei cristão.

Alguns eruditos modernos ventilaram a hipótese de João ser apenas uma alteração fonética de Zan  titulo real na Etiópia  e país, cristão desde o século IV, fundada no ano de 1270, e assim sendo um descendente directo do rei Salomão e da raínha do Sabá.

...mas que linhagem, ...

... e como conquistadores que fomos, o reino de Preste  João, também fez parte dos nossos sonhos dourados:

Em 1442 o Infante D. Henrique encarregou   (*)Antão Gonçalves de procurar nas costas do Rio do Ouro, na Mauritânia, notícias “das Índias e da terra do Preste João”. E o cronista comenta que o Infante pensava que “talvez agora a providência lhe deparasse nas remotas regiões algum rei cristão de crenças vivas e ânimo esforçado, que o pudesse auxiliar na guerra aos inimigos da fé”.

(*) Antão Gonçalves foi um navegador e descobridor português do século XV e o primeiro europeu a comprar Africanos nativos para os vender  como escravos


sábado, 25 de julho de 2020

A poesia do octogenário

Quando Victor Hugo escreveu os dezasseis versos que a compõem, tinha perto de oitenta anos.
São talvez esses versos os últimos que brotaram da sua alma .
E contudo, o pensamento, ou melhor o  nostálgico desejo que os inspirou é ainda deliciosamente poético.

Na sua mocidade, na sua maturidade na sua velhice, Victor Hugo - com excepção de poucas abertas e clareiras  - foi o poeta de tudo o que é enorme, terrível, pavoroso, majestoso, da Natureza selvagem e da noite misteriosa.

Mas agora perto da morte, o poeta  desejaria que esse seu mundo solene ruísse e desaparecesse:
bastar-lhe-ia um jardim cheio de frescura, uma rapariguinha toda branca...

Atrás do trágico cenário  dantesco ou de Ésquilo, o octogenário  sonhador de visões de Notre Dame  entrevê a infância  do mundo :
 um jardim e uma mulher, o Éden e Eva antes do pecado.


Mas não sou crítica e certas coisas não as sei dizer . Devo portanto contentar-me com transcrever aqui os suaves versos senis de Victor Hugo.

Si les deserts, si les sable,             
Si les grands bois
Si les choses formidable
Que j'entrevois ,

Etaient, sauvage nature,
 Coupés soudain
Par la gaité toute pure
D'un frais jardin

Sí tout à coupe  mantille
en blanche corset
Une belle jeune fille
Apparaissait,

Si je rencontrais  des roses
Dans les forêts,
Nymphes , ah!  les douces choses
Que je dirais!
                   
 (12 septembre  1880)
                                         
                                                       
                                                            Victor Hugo 1802-1885


Poemas inconjuros

  A espantosa realidade das coisas É a minha descoberta de todos os dias Cada coisa é o que é . E é difícil explicar a alguém quanto isso me...