quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Visita a Lin-Yutang

 


Das Crónicas de Gog

Cambridge (Massassuchetes ) , 29 de Outubro de 1951  

Consegui finalmente, travar relações com  Lin-Yutang o chinês mais inteligente que conheço.

Lera com vivo prazer alguns livros seus e empenhava-me em saber as suas últimas opiniões sobre a sua pátria.

Lin-Yutang é um homem franco e cordial; nada tem do professor, pedante, do diplomata; sorri com frequência, mesmo quando fala em coisas sérias. Quis responder à minha interrogação sem os habituais preambulos precautórios.

- O povo chinês - disse-me - é o mais perigoso que há no mundo  e, por isso, está destinado a dominar a terra. 

Por séculos e séculos ficou fechado nos confins do imenso império porque acreditava que o resto do planeta não tinha nenhuma importância. Mas os Europeus e, depois os Japoneses, abriram-lhe os olhos, os ouvidos e o espírito. Quiseram à força arrancar-nos do nosso covil e hão-de pagar caro a sua cobiça e curiosidade. Há um século que os chineses esperam a vingança e vingar-se-ão .

 A  revolta dos Boxers, em 1900, não foi senão a primeira tentativa mal conduzida e mal sucedida. Mas o povo chinês é astuto e paciente: escolheu outros caminhos. Em 1910 converteu-se à diplomacia republicana; em 1948, ao comunismo. Na realidade os Chineses não são conservadores, nem democráticos, nem comunistas. São simplesmente Chineses, isto é, uma espécie humana à parte, que pretende viver e sobreviver, que se multiplica e se deve expandir mais por necessidade biológica que por ideologia política .

 O povo chinês é imortal, sempre igual a si mesmo, sob todas as dominações . Nem os Tártaros, nem os Japoneses, nem os americanos, nem os Russos conseguiram ou conseguirão transformá-lo. Pulula e alastra como um gigantesco polipeiro, tenaz e compacto, que nenhum estrangeiro conseguirá fender .

 As  invasões não o domaram, as guerras perdidas não o venceram, as carestias não o dizimaram, as infecções não o enfraqueceram, o ópio não o estupidificou, as revoluções não o abalaram. Nenhum outro povo pode esperar dominá-lo ou repeli-lo. É um povo manhoso e cruel, povo de mercadores e intrujões, de bandidos e carrascos, que sabe socorrer-se para os seus fins, ora do engano, ora da ferocidade. Está fadado, pois, a ser o senhor do Mundo, porque os outros povos são mais ingénuos e bondosos do que ele. Levará o tempo  que for preciso, mas o futuro pertence-lhe.

Quando o imperador Guilherme II, há cinquenta anos, e  o «perigo amarelo», teve o maior clarão de génio de toda a sua vida. Zombaram então da imperial ave de mau agoiro, mas a História prepara-se para lhe dar razão.

Os Chineses começaram por mandar vanguardas a todos os países do mundo: à Malásia, à Indonésia a quase todas as terras da Ásia. Existem bairros chineses Em S. Francisco Nova Iorque Londres e Paris . No principio após-guerra os vendedores ambulantes chineses, apareceram com o pretexto de vender pérolas falsas nas ruas de Berlim e de Roma de Madrid e do Cairo. Não eram mais que os primeiros mensageiros do grande derrame.

Os chineses serviram-se da republica de Sun-Yat-Sen para se livrar dos parasitas do velho Império  Manchú ; serviram-se do bolchevismo para se desfazer dos parasitas da república burguesa; livrar-se-ão qualquer dia sob uma bandeira escolhida por comodidade, dos parasitas do comunismo. São um povo sem escrúpulos, que se utiliza das ideias mas  recusa a tornar-se escravo delas; a ela pertencerá, com o tempo, a Terra .

O essencial, para a infinita massa de chineses, é gerar  filhos e ter arroz suficiente para os sustentar : tudo o mais, são disfarces, pretextos . A terra deles é grande, mas pobre, e, portanto a pouco e pouco serão impelidos a ocupar outros países . O Tibet , a Coreia, a Indochina  a península de Malaca serão os primeiros bocados. Mas o apetite vem a comer . Mal tenham o suficiente de armas modernas, ninguém poderá detê-los, e esses quinhentos milhões de famintos, astuciosos e cruéis, nem mesmo os duzentos de eslavos. Já na Idade Média os mongóis invadiram a Rússia e alcançaram os confins de Itália ; na nova Idade Média que se prepara ; a América conseguirá salvar-se, mas não para sempre . 

O « perigo amarelo» tornar-se-á dentro de gerações a «dominação amarela». Na vossa ideia de ocidentais, o amarelo é a cor da inveja e do livor; os amarelos não podem suportar que haja raças superiores, e submetê-las-ão. O seu domínio, não será suave nem fácil, mas apesar de tudo o Celeste Império tornar-se-á  um dia remoto, embora o Império em que o sol nunca se eleva, nem se põe.


Está a falar a sério, perguntei a Lin-Yutang? 

Não há nada de mais sério Mister Gog , respondeu o genial ainda se ria.chinês e largou uma gargalhada tão alegre e inextinguível que me assustou . Já não conseguia dizer palavra, e quando o deixei, ainda se ria


Do Livro Negro de Giovanni Papini 1951 

Lin -Yutang foi um escritor chinês  cujo trabalho original e traduções de textos clássicos se tornaram muito populares no Ocidente 

Nasceu em 1895 

Faleceu em 1976




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