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segunda-feira, 20 de novembro de 2017

A Arvéola (1)

Naquele bom tempo,
Quando Nossa Senhora ia andando
pró Egipto,
sobre a burrinnha montada,
temendo alguma cilada
contra o seu Filho bendito.

Já o tremoço era nado e seco,
 de cada lado da estrada.
Punham-se as vagens tinindo ,
como quem diz: - «Vão fugindo,
por aqui, pela calada...»

Então a Senhora disse.
pra que sempre se cumprisse
seu pensar :
- « Que nunca pra teu castigo,
tremoço mau, inimigo,
a fome possas matar

Nunca fartarás ninguém ;
crescerás: mas ouve bem,
durará, muito pouco a tua vida,
pois logo a terra, em seguida,
de novo te comerá - »

Mal a Virgem se calou,
um novo susto a tomou
e num ai
ouviu  para a dianteira
a codorniz chocalheira
gritar bem alto : - Cá vai!» -

E  a modos de quem chamava
o mesmo grito soltava
prazenteira ...

Então, para a castigar
tornou Maria a falar
e disse desta maneira :

-« Por teu grito perseguida
nunca mais em tua vida,
poderás
ver-te ao alto arrebatada :
mas só, rasteira e humilhada
junto à terra voarás !» -

Ora se há muito que vinha
saltitando a arvelinha
na estrada.
Seguindo a Virgem Maria ...
e tão calada seguia,
que até não fora notada .

Contudo, em todo o caminho,
com devoção e carinho,
trabalhando,
com sua cauda varrera
as pegadas que fizera
S. José, ao ir passando.

Ao ver tamanha humildade,
A Virgem Mãe, com bondade,
murmurou :
- «Os mais fortes vencerás!
Bendita sempre serás » !
E sorrindo a abençoou.

                                        ✿❀ ✿❀ ✿❀


(1)  Tradição popular açoreana  - O povo da ilha de S. Miguel, chama às arvéolas  «galinhas» de Nossa Senhora, e o seu canto é tido como sinal de bom agoiro

Armando Cortes Rodrigues
(Poeta micaelense, contemporãneo )
do seu livro, Em louvor da Humanidade.

sábado, 20 de agosto de 2016

Canção da velhice


Corri o mundo
Aprendi o sabor dos desenganos ...
Só então compreendi, o quanto valem os anos

Fui semeando ilusões da vida pelo caminho ;
quando voltei a colhê-las, achei-me pobre e sózinho

Fêz o tempo na minh'alma uma nova sementeira :
semeou a experiência com mão segura e certeira.

Dizem que os livros encerram muita luz muita lição ;
mas nenhuma como aquela, que só os anos nos dão.!

A vida é um livro aberto, que toda a gente anda a ler ;
Até a morte chegar sempre há muito que aprender.

A mocidade soletra, os homens lêem melhor.
Os velhos esses já quase sabem o livro de cor.

Andei muito pela vida ...
Agora vou descansar à beira deste caminho,
a ver os outros passar .

E a mocidade iludida,
a correr, passa por mim...
Se eu te dissesse o que sei, já não corrias assim!
                                        ✿❤❤❀
Armando César Côrtes-Rodrigues
(Vila Franca do Campo, 28 de Fevereiro de 1891
Foi um escritor, poeta, dramaturgo, cronista e etnólogo açoriano que se distinguiu pelos seus estudos de etnografia e em particular pela publicação de um Cancioneiro Geral dos Açores e de um Adagiário Popular Açoriano, obras de grande rigor e grande qualidade

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