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sábado, 23 de dezembro de 2017

O Pai Natal da dispensa

O Pai Natal está de costas viradas para a janela.
Usa óculos de aros redondos, vê mal, coitado, sobretudo agora pelo Natal.

O mundo fica tão escuro aqui, os dias curtos, as noites tão longas.
Com a vista assim, cansada, quase fria como o olhar de uma ave perdida no meio do Inverno, pouco ou  quase nada se pode esperar dele.

Olha para mim e não me vê. Estou sentado diante   dele, quieto atento à  sua imobilidade ancestral
Ele é a única presença que ilumina esta sala cheia de livros.
As suas barbas imensas caídas sobre o velho casaco, dão-lhe um ar de ancião triste e desolado.

Há anos que trás às costas um saco cheio de prendas.

Habitava  a casa na outra vida que tive . Os meninos eram pequenos  corriam para os seus braços tensos com a alegria que só a inocência proporciona.

Tirei ontem o Pai Natal da despensa .
Esteve lá escondido todo o ano à espera de Dezembro.
Apanhou-me desprevenido, o tempo correu tão depressa!
Ainda há dias eu era da idade dos meus filhos quando eram pequenos.
De repente a casa não é a mesma, eu sou a minha família pelo Natal.

Os amigos espalham cartazes pelo Facebook.
O tempo e o silêncio esmagam a memória das coisas, deixam cair por terra as suas vozes.
O olhar sem vida do Pai Natal cruza a sala.

Não sei como atravessar esse lago aberto na escuridão, essa fenda entre mim, e o vazio.


Eduardo Bettencourt Pinto


domingo, 25 de dezembro de 2016

O meu Pai Natal angolano


domingo, 10 de janeiro de 2016

Papéis velhos África e Chopin




Limpo o meu escritório. Estou perante o desafio de tinta velha em papéis antigos, rasgos de melancolia entre interstícios de pó acavalados por todo o lado. Para quê tudo isto?



Quando saí de Angola, levava apenas as sandálias da minha infância (que perdi algures), um álbum de fotografias e as poucas roupas daqueles últimos e olvidáveis dias de Luanda.




 É certo que a memória delimitava as fronteiras de um país numa alvorada incendiada pela guerra. Levava comigo, contudo, vinte anos de utopias que eram a idade com que embarquei numa noite triste, muito triste, a caminho da Rhodésia




Um homem não precisa de muito, quando tem tudo: o amor de uma mulher, um poema entre os dedos e o rosto da claridade a beijá-lo por dentro. Não preciso destes papéis velhos. Preciso, sim, de um rio, o mais antigo, quando o tempo ainda não existia e as aves cantavam entre o cálido fervor das palmeiras.

Sim, nesse tempo o meu pai era um deus de sol e a minha mãe a estrela mais branca da terra. Os meus irmãos, esses, eram quatro braços de água e alegria. Cresci tanto, meu Deus!, que já não reconheço nos cães vadios o latido de memórias distantes. Sou a vírgula, a última, antes do voltar da página. Mas, enfim, para aonde vou com isto? Ora. Pego num papel, e leio: “Contudo amo-te porque não existes, sombra, néctar de maçã, o mar entre as mãos separando os dias”

 





Pois... Rasgo-o e deito-o no lixo Aqui fica, com um pedaço de noite. E o Nocturno op 9. No. 2 em E Flat de Chopin.
                                                              
                                                                  
                                                              ✿❀✿


Eduardo Bettencourt Pinto nasceu na Gabela, Sul de Angola, em 1954. Viveu em vários países após 1975, residindo actualmente no Canadá. É funcionário estadual, consultor informático e editor da revista literária "Seixo review", na Internet. Escreve para publicações no Canadá, Estados Unidos, Portugal e Brasil. Publicou vários livros de poesia e ficção


Poemas inconjuros

  A espantosa realidade das coisas É a minha descoberta de todos os dias Cada coisa é o que é . E é difícil explicar a alguém quanto isso me...