sábado, 23 de dezembro de 2017

O Pai Natal da dispensa

O Pai Natal está de costas viradas para a janela.
Usa óculos de aros redondos, vê mal, coitado, sobretudo agora pelo Natal.

O mundo fica tão escuro aqui, os dias curtos, as noites tão longas.
Com a vista assim, cansada, quase fria como o olhar de uma ave perdida no meio do Inverno, pouco ou  quase nada se pode esperar dele.

Olha para mim e não me vê. Estou sentado diante   dele, quieto atento à  sua imobilidade ancestral
Ele é a única presença que ilumina esta sala cheia de livros.
As suas barbas imensas caídas sobre o velho casaco, dão-lhe um ar de ancião triste e desolado.

Há anos que trás às costas um saco cheio de prendas.

Habitava  a casa na outra vida que tive . Os meninos eram pequenos  corriam para os seus braços tensos com a alegria que só a inocência proporciona.

Tirei ontem o Pai Natal da despensa .
Esteve lá escondido todo o ano à espera de Dezembro.
Apanhou-me desprevenido, o tempo correu tão depressa!
Ainda há dias eu era da idade dos meus filhos quando eram pequenos.
De repente a casa não é a mesma, eu sou a minha família pelo Natal.

Os amigos espalham cartazes pelo Facebook.
O tempo e o silêncio esmagam a memória das coisas, deixam cair por terra as suas vozes.
O olhar sem vida do Pai Natal cruza a sala.

Não sei como atravessar esse lago aberto na escuridão, essa fenda entre mim, e o vazio.


Eduardo Bettencourt Pinto


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