quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Sabes quem eu sou? Eu não sei .



Sabes quem eu sou? Eu não sei.
Outrora, onde o nada foi
Fui o vassalo e o rei,
É dupla a dor que me dói.
Duas dores eu passei.


 Fui tudo o que pode haver
Ninguém me quis esmolar;
E entre o pensar e o ser
Senti a vida passar
Como um rio sem correr

Fernando Pessoa
Poesias inéditas
(1930-1935) 1955

          « Estrangeiro aqui e em toda a parte»

Pessoa viveu como o Marinheiro do seu drama simbolista, por conta de um futuro que ainda não existe . É a leitura dos seus poemas quem o faz  adivinhar e apetecer . Há meio século isso era mais sensível para quem o descobria, e nele se descobria do que hoje, em que se tornou o lugar comum da cultura portuguesa e um ícone incontestável da cultura universal . O que ele desejou a vida inteira foi estar nu, nu culturalmente como ninguém  antes dele o estivera, pois não havia verdade ou verdades que pudessem ou tivessem o condão de o vestir.

Na ordem aparente da vida, o seu sonho fracassou inteiramente .
 Ninguém suportou a sua nudêz.

Todos nos consertámos para lhe oferecer a pátria que não teve, não queria e não podia ter.
Pessoa clamou isso em todos os tons, do fundo do poço com vista virtual para um céu que não o podia ouvir.
 Tem hoje a superpátria, que nem mesmo nos seus sonhos mais vertiginosos não se atrevera a imaginar. . Nunca esteve mais só, que no seu trono de pura glória. E já ninguém o pode devolver à sua solidão original, tão rente à alma de onde surgiam, como do caos mesmo os poemas onde ele era o absoluto estrangeiro de si mesmo,

 LuzB
                           

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