O Pai Natal está de costas viradas para a janela.
Usa óculos de aros redondos, vê mal, coitado, sobretudo agora pelo Natal.
O mundo fica tão escuro aqui, os dias curtos, as noites tão longas.
Com a vista assim, cansada, quase fria como o olhar de uma ave perdida no meio do Inverno, pouco ou quase nada se pode esperar dele.
Olha para mim e não me vê. Estou sentado diante dele, quieto atento à sua imobilidade ancestral
Ele é a única presença que ilumina esta sala cheia de livros.
As suas barbas imensas caídas sobre o velho casaco, dão-lhe um ar de ancião triste e desolado.
Há anos que trás às costas um saco cheio de prendas.
Habitava a casa na outra vida que tive . Os meninos eram pequenos corriam para os seus braços tensos com a alegria que só a inocência proporciona.
Tirei ontem o Pai Natal da despensa .
Esteve lá escondido todo o ano à espera de Dezembro.
Apanhou-me desprevenido, o tempo correu tão depressa!
Ainda há dias eu era da idade dos meus filhos quando eram pequenos.
De repente a casa não é a mesma, eu sou a minha família pelo Natal.
Os amigos espalham cartazes pelo Facebook.
O tempo e o silêncio esmagam a memória das coisas, deixam cair por terra as suas vozes.
O olhar sem vida do Pai Natal cruza a sala.
Não sei como atravessar esse lago aberto na escuridão, essa fenda entre mim, e o vazio.
Eduardo Bettencourt Pinto