domingo, 14 de junho de 2020

Clementina e Emílio Urbino


Ao  entrar no cemitério da Lapa  pela primeira vez, não podemos  deixar de  sentir  uma mistura de sentimentos entre emoção e um certo encantamento.
Eu sinto-os todas as vezes que lá vou!
                                                                   
                                                                   
Cresci perto de um cemitério, e passei  parte da  minha  infância   a brincar dentro dele. Ainda recordo os amigos desse tempo, o Jorge o Quenitos, a Mariita a Gracinha o Luís a Manela, ... e onde nos escondíamos uns dos outros nas nossas brincadeiras. Nem os jazigos onde os mortos dormiam  o seu sono eterno escapavam
Naturalmente, sem receio algum,

Daí  a satisfação e o à vontade que sinto ao passear pelas alamedas dos  cemitérios  e a sensação de paz e bem estar que me inspiram.
 «Talvez  por isso a minha maneira de encarar a morte não seja como a da maioria das pessoas que conheço, que só o nome assusta ou qualquer imagem que se refira a ela  aterrorize como se ela não fosse inevitável a todos!»

De vez em quando levo uma rosa a Camilo, outras vezes  junto de Silva Porto  "O Sertanejo" recordo Angola
 São tantas as personalidades ligadas à arte, às letras à  nobreza portuguesa que   nem um ano chegaria para os encontrar. As suas sepulturas e jazigos variam entre o gótico e o manuelino, contrastando com a arte nova de outros um pouco mais recentes.

 Há  lápides que só por elas já contam lindas  histórias de amor
   
                                                                       
Mas não é de mim que vou falar nem do que sinto, mas  sim contar uma  história de amor e  por causa dela o Cemitério da Lapa passou a ser conhecido em todo o mundo  como o   "O primeiro cemitério romântico. de Portugal".

Quem entra na  primeira alameda à esquerda ao fundo  encontra o jazigo da família Freitas Fortuna
.
José António Freitas Fortuna era um bem sucedido homem de negócios da Rua das Flores. e amigo de Camilo Castelo Branco.
 Quando Camilo se suicidou, Freitas Fortuna prontificou-se a acolher  os seus restos mortais no seu jazigo.de família.
Camilo ocupa  a parte superior do jazigo à esquerda


Entretanto o jazigo foi sendo ocupado com os elementos da família e cada um com a sua lápide  Nome, nascimento falecimento.

Até aí nada de anormal, a não ser...
... o porquê de uma lápide tão diferente e com duas letras apenas C S.



.Andei meses a magicar como descobrir a origem daquilo até que me lembrei de um amigo que pertence à  Irmandade da Ordem da Lapa,   Para minha  satisfação ele pôs-me a par de uma história de amor que se não fosse o trágico fim, quase seria como que  um conto de fadas.

Na família de Freitas Fortuna havia um médico catedrático da Faculdade de Medicina de Coimbra. Urbino de Freitas.

Urbino teve 5 filhos e entre eles um chamado Emílio Urbino, jovem aventureiro que depois de ter viajado pelo mundo se fixou na  Bélgica e aí se formou em engenharia.

Quando Emílio Urbino regressou a Portugal, veio  encontrar como preceptora das suas irmãs uma atraente jovem descendente de fidalgos alentejanos entretanto falidos.
Chamava-se Clementina Sarmento.

De imediato surgiu uma forte atracção entre ambos.E foi tão forte que ambos fizeram juras de amor eterno. Era o ano de 1902.

Quando a relação se tornou conhecida  e desejando outro enlace para o filho, a mãe do Emilio Urbino despediu a preceptora .

 Maria das Dores assim se chamava a senhora tomou a seu cargo a educação das filhas e fez saber ao filho  que tinha em vista para ele um casamento social e económicamente muito vantajoso.

Mas ele não aceitou a imposição materna e saiu de casa indo  para Lisboa onde num quarto de um hotel disparou um tiro na cabeça suicidando-se.
O corpo veio para o Porto, e foi sepultado no Cemitério da Lapa no jazigo de família.

Uns dias depois do funeral de Emilio Urbino,  Clementina chega ao Porto e hospeda-se no melhor hotel que naquela  altura havia na cidade o Hotel Frankfort (que entretanto foi demolido para a abertura da Av. dos Aliados).

Sai no dia seguinte não sem antes perguntar onde ficava  o Cemitério da Lapa
Regressou horas depois,  e nunca mais  foi vista.

Quando abriram a porta  do quarto encontraram  Clementina caída e morta. Tinha-se suicidado com um tiro na cabeça
 Ao lado do corpo encontraram a arma com que se suicidou e um papel escrito e dirigido às suas antigas pupilas com um pedido

"... quero  no vosso jazigo um lugar ao lado do nosso mártir...por favor não se oponham" E se acaso derem comigo  a tempo, não me chamem à vida, ajudem-me a morrer...as nossas vidas pertenciam-se,,,"

 E assim  um cemitério construído com o fim de enterrar a população  que protegia a cidade dos absolutistas no Cerco do Porto,  e a subsequente epidemia de cólera que os vitimou  se transformou numa lenda por causa de um amor contrariado entre dois jovens  que nem a morte separou ...!

Tempos esses em que o amor falava alto... e os valores também!

Mas há mais...

Quem entra na Igreja da Lapa, quase ninguém dá por ela. A principio mais parece uma escultura religiosa..

.Quase ninguém digo, porque eu dei.

Aquela linda senhora ornamentada de finos tecidos e jóias raras deitada de lado é  Santa Victória mumificada.

Mas isto fica para outra altura..


           A morte  emenda todos os actos da vida.
           Camilo Castelo Branco


                                                       

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

O coelho e o leão





O leão e o coelho, eram amigos  íntimos. O coelho tinha um filho nascido no fim do mês e que se chamava Carancoa. Uma noite uma goma caiu na ratoeira e o coelho que passou perto da armadilha (aumbuna) ouviu a goma dizer:
- Que mal fiz eu a Deus para ter aqui caído, presa?
Eu não fiz mal a ninguém!
Diz-lhe o coelho, lembrando-se do seu filho pequeno;
- Se eu tirar a você daí, o quê que você me dá? Quanto dinheiro?
Tudo o que você quiser - disse- a goma. E você sabe quem é que fez esta aumbuna?
O coelho não sabia que o buraco tinha sido feito pelo seu amigo leão, e foi buscar um pau, com que ajudou a goma a sair do buraco.
O leão, que estava ali perto a espreitar, disse:
- O meu amigo coelho é malandro. Está-me a tirar a carne para o jantar. Espera que já vais ver.!
Agarra num tambor de batuque e começa a chamar toda a gente do prazo, a quem disse que tinha um milando. A gente não fez caso dizenndo que não podia demorar-se pois tinha os seus serviços.
O leão toca outra vez o tambor para chamar toda a bicharia do prazo. Juntou-se tudo e cada espécie formava um grupo. O leão falou:
- Caiu carne numa ratoeira que eu tinha arranjado, e houve alguém que ma foi roubar. Eu vou perguntar a cada um quem fez o roubo, e ao seu autor agarrarei pelo rabo e, depois de lhe fazerdar  duas voltas no ar, cairá no chão, ficando morto. Eu já adivinhei quem é o ladrão..
Quando ouviu isto o coelho pensou:
- Se ele me quiser agarrar pelo rabo, meto-me num buraco que abri naquele imbondeiro e ficarei ao abrigo.
E assim foi.
Quando o leão se vai a aproximar do coelho, para o agarrar pelo rabo, ele foge; o leão vai atrás do coelho que se mete no buraco da árvore.
O leão mete a cabeça, e fica com ela entalada. Então diz o coelho:
- Então agora, ficas aí!?! Queres que eu te ajude? Hás-de dar-me a coisa mais preciosa que tiveres, para eu dar a minha mulher.
-Não, isso não dou!- lhe respondeu o leão.
- Então morre aí, diz o coelho.
E assim sucedeu. O coelho ficou sem rabo, mas o leão, morreu entalado no baobabe.


PEDRO A. DE SOUSA E SILVA ( Literatura africana de J. Osório de Oliveira)

terça-feira, 20 de agosto de 2019

A D. Pedro II (Per me reges regnant)

Os reis são também símbolos; e vós,
Representais todo um império amigo;
Por isso é que levanto a minha voz,
E ouvi, Pedro segundo, o que vos digo:


Vós não tendes um único inimigo,
Vós sois dos reis que podem andar sós:
Basta abolirdes o comércio atroz,
Do desgraçado escravo; eu vos bendigo!


E que é ser rei? Levar a primazia
Aos mais em tudo; espírito profundo
Que arte e ciência livre e escravo abarca.


Regem os reis pela sabedoria:
Quem a não tem, não pode ser monarca:
Vós sois digno de o ser, no Novo Mundo!


João de Deus (Campo de Flores Livro I)



sábado, 25 de maio de 2019

Xosa- A tribo que se extinguiu



A superstição, uma fé cega na feitiçaria, a total dependência económica do gado, e um receio constante da invasão do homem branco, foram os elementos que dominaram a vida dos povos nativos da África do Sul durante o século XIX.


Estes 4 factores intervieram de forma trágica na estranha história de Nongqawuse , uma jovem de 14 anos de idade, pertencente à tribo Xosa  a qual teve uma visão, que provocou a destruição  quase total da sua nação.
Havia décadas que entre a tribo Xosa uma das maiores dos Bantos, e os colonos brancos, que implacavelmente iam avançando pelo território para instalarem fazendas e construirem cidades, haviam surgido querelas sobre a terra, o gado e a mão de obra.
Em 1778 fora estabelecida, ao longo de Fish River, que delimitava os territórios de Ciskei e Transkei, a leste da provincia do Cabo, uma fronteira precária entre os Xosas e os colonos.
Seguiu-se um século de inquietação, roubo de gado e disputas fronteiriças com os fazendeiros  brancos. A seca reduziu os rebanhos dos Xosas que para estes assumiam uma importancia vital, e deixou o gado que sobreviveu em péssimas condições em consquência segundo  os nativos pensavam, das magias perpretados pelos feiticeiros ingleses.
Os ansiãos  e os chefes tribais encontravam-se tão profundamente submetidos á influência exercida pelos feiticeiros como o povo que governavam.
Em 1819 por exempo, o chefe Ndlambe foi persuadido a atacar os brancos em Grahamstown, porque o feiticeiro Makana lhe garantiu que lhe administraria uma poção que tornaria inofensivas as balas daqueles . Na batalha de consequências trágicas para a tribo, morreram, 1000 xosas.
Foi neste ambiente de medo e superstição que em 1856 Nongqause, sobrinha do feiticeiro Umhlakaza, pretendeu ter tido uma visão, que veio a condicionar o futuro dos Xosas.
MENSAGENS DOS ANTEPASSADOS
Tendo ido buscar água ao rio próximo da aldeia, encontrara, segundo contou, 5 negros corpulentos - mensageiros dos espiritos dos seus antepassados. Os espiritos, haviam-se declarado  entristecidos com o declínio da nação Xosa, e tinham decidido aparecer entre o seu povo. Formariam um exército invencível, que expulsaria definitivamente os brancos e restabeleceria a antiga glória xosa. Porém. antes de prestarem o seu auxilio os antepassados exigiam uma prova da total obediência dos Xosas que consequentemente deveriam matar todo o seu gado, destruir todo o seu cereal, e abandonar o cultivo das terras.
Deviam construir novos estábulos para o gado gordo e saudável que viria das habitações ancestrais e cavar grandes silos para o conveniente armazenamento dos cereais das abundantes colheitas que os espíritos lhes trariam.
Só quando as suas instruções fossem devidamente executadas, os espiritos ancestrais, regressariam. Seriam precedidos por um assustador turbilhão de vento que lançaria ao mar todos os que não acreditassem ou não tivessem obedecido às ordens prescritas.
CHEFE PERSUADIDO
O tio de Nongqawuse   convenceu o chefe Kreli, de que a visão da jovem profetisa era uma mensagem autêntica dos antepassados da tribo. Keli ordenou que se procedesse à destruição imediata das colheitas e à matança do gado.
 Quando alguns cépticos se recusaram a obedecer, Nongqause, recebeu outra mensagem. Encontrando-se junto ao rio, a terra rugira sob os seus pés - O rumor dos antepassados descontentes, segundo o seu tio posteriormente explicou. Gentes de todas as
 terras da tribo deslocaram-se expressamente à aldeia de Nongqawuse  para contemplar a lagoa pantanosa que segundo a crença que se generalizara constituia a entrada da habitação dos antepassados. Viram os chifres de bois e ouviram o mugir  do gado impaciente para sair.Outros declaram ter visto, os heróis xosas mortos erguerem-se do Oceano Índico, alguns a cavalo, outros a pé, passando por eles e desaparecendo.
Passararm 10 meses sem que a terra fosse cultivada. Os crentes destruiram as suas colheitas e mataram o seu gado. Milhares de xosas morreram de fome.
Apesar dos avisos, do comissário britãnico Charles Browntree, de que as profecias de Nongqawuse  jamais se realizariam, a tribo recusou-se a trabalhar a terra e continuou a sacrificar o gado.
O DESESPERO
Por fim  Nongqawuse fixou a data do regresso dos antepassados - exatamente no dia 18 de Fevereiro de 1857. Nesse dia o sol nasceria vermelho de sangue e manter-se-ia imóvel no céu. Depois começaria a girar, e por-se-ia de novo a leste. Turbilhões e furacões varreriam violentamente a terra, lançando ao mar os brancos e os xosas descrentes.


Na véspera do grande dia, os xosas enfeitaram-se festivamente com colares e pintaram os corpos. Os que ainda tinham forças suficientes dançaram durante toda a noite, enquanto os outros, esfomeados e enfraquecidos, aguardavam sentados pacientemente o término da sua miséria."Olhando para o retorno dos guerreiros mortos" por FT I'Ons.  Isto é pensado para representar a cena em 18 de fevereiro de 1858:
O sol erqueu-se e descreveu o seu curso lento através do quente céu de Fevereiro - apenas para se ir pôr a oeste como sempre acontecera desde o principio dos tempos. Deixou atrás de si, a amargura e o desalento de um povo famélico.
A tribo desesperada, comeu raízes, amoras e até a casca e a seiva das mimosas. Roeu os ossos e o couro do seu gado há muito morto e invadiu os postos missionários e as aldeias mais importantes em busca de socorro.
Umhlakaza, escondeu-se do seu povo desiludido. O seu projecto de explorar a fome como incitamento contra os brancos falhara, e ele próprio, morreu de fome.
 Nongqawuse foi presa e subsequentemente enviada para uma herdade na província Oriental onde morreu no ano de 1898-seguramente a figura isolada mais trágica da história da África do sul.
E o seu povo? Mais de 20.000 pessoas morreramvítimas da sua crença louca, e dos 43.000 sobreviventes, cerca de 30.000 salvaram-se apenas arranjando trabalho nas herdades dos brancos.







sexta-feira, 26 de abril de 2019

Escolha o seu veneno


Gustavo III da Suécia considerava o café um veneno.
Para demonstrar a sua teoria, condenou um assassino a beber café todos os dias até morrer. 
A fim de estabelecer uma comparação, outro assassino foi perdoado, sob a condição de beber chá diariamente. 

Foram nomeados 2 médicos para supervisionarem a experiência e verificarem quem morreria primeiro.
Porém, os primeiros a morrer, foram os médicos . Seguiu-se o rei assassinado em 1792 .
 E decorridos muitos anos um dos criminosos, morreu aos 83 anos, Tratava-se do bebedor de chá.

Os resultados da experiência foram abandonados e assim se desconhece  quando morreu o bebedor de café.
                                                                         
A  proibição de beber café foi restabelecida na Suécia, primeiro em 1794 e mais tarde em 1822.

                                                                          ***
Moral da história,  morrer morres sempre de uma maneira ou de outra. Nos intervalos  aproveita a vida.
E Viva o café!!!

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Não posso adiar o amor...

rosa chá  A noite flutua  e as rosas dormem mimosas  aos beijos da lua.  Humberto del Maestro:
                                                    Para António...

Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração

17 Out 1924 // 23 Set 2013
Poeta/Ensaísta


Considerado um dos melhores poetas portugueses contemporâneos, António Ramos Rosa, recebeu inúmeros prémios e já viu o seu nome apontado como candidato ao Prémio Nobel da Literatura.

A aventura das palavras que é a sua poesia não deixa indiferentes os que a lêem; o poeta figura em inúmeras antologias estrangeiras, nomeadamente na Europa e América-Latina.

Ler e partilhar a poesia de António Ramos Rosa é entrar numa viagem grátis pelo mundo perfeito da fantasia que é o da realidade





Poemas inconjuros

  A espantosa realidade das coisas É a minha descoberta de todos os dias Cada coisa é o que é . E é difícil explicar a alguém quanto isso me...