sábado, 16 de dezembro de 2017

O milagre das Rosas

Era uma tarde
 De vento agreste e de inclementes chuvas.
À porta do palácio, a multidão
De aleijadinhos, orfãos e viúvas,
Mal coberta de andrajos, a tremer,
Pedia pão...

«Que havia de, entretanto acontecer?
Vinha Isabel com uma abada de ouro,
Um deslumbrante e autêntico tesouro,
E ia já dá-lo aos pobrezinhos, quando
 El-Rei lhe tolhe o passo...
- Que trazeis vós senhora  no regaço? -
Pergunta D. Dinis. Ela corando,
responde-lhe - São rosas meu senhor...
- Rosas no Inverno ? Não será engano? ...
- É que estas rosas são de todo o ano -
Diz a raínha então
- São rosas de piedade e de perdão ,
Rosas de luz
Rosas de amor,
Duma roseira que plantou Jesus ...-
E desdobrando o seu brial de seda,
mostrou-lhas a sorrir ...

Cada moeda
Se transformara por milagre em flor ...
E frescas, orvalhadas e viçosas,
aos pés de el-rei cai um montão de rosas...

Pelo ar derramou-se um tal aroma
Tão doce e tão fragrante,
Como se alguém tivera nesse instante
Quebrado uma redoma
de bálsamos celestes...

Cândido Guerreiro  (século XIX XX )
Escritor português nascido em 1871 em Alte no Algarve e faleceu em 1953

Imagem da Raínha Santa- Capela Nossa Senhora dos Anjos Dos Padres Franciscanos
Rua dos Bragas -Cedofeita Porto

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Os cães velam por mim



Não sai medo da boca dos cães, nem fúria
nem ponta de rancor.
Somente um uivo, um estertor.
Pediam tão pouco; um osso, um resto de carne,
um fingimento de ternura, e nada tiveram,
e nada conquistaram.

Somente o desprezo e a fome,
e a vizinhança ardente de morte, numa berma da estrada,
enquanto seguiam o rasto dos cegos
demandando a promessa de luz das catedrais.

Os cães não sabem nem querem vingar-se
Depressa trocam os sinais de cólera
 pela promessa de um afago
e depois rebolam-se na erva como se voltassem
à infância amamentada na sombra dos quintais.

Eu amo os cães e também os gatos,
e só dos homens desconfio e me defendo
por serem os únicos que sonham, olhando o céu
sem nunca deixarem de enterrar no lodo
as raízes mais mesquinhas da ilusão
de poderem ser deuses.

Vêm os cães e põem em em fuga os vultos arqueados
dos que cercam a casa. Sem dó.
Não se pode morder nem matar o que é imaterial.
Os cães, mesmo os de pedra, velam por mim
enquanto eu invento os nomes que hei-de dar
aos temores que me invadem a escrita.

José Jorge Letria
Prosa
(Coração sem abrigo)





quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Árvore de Natal


Uma das primeiras pessoas a ter em casa no Natal, uma árvore iluminada com velas foi o reformador protestante Martinho Lutero, pelo ano de 1500...!
E provavelmente como função principal a de encher  a casa de luz.

Mas o culto da árvore tem raízes muito mais profundas na história alemã.
 (Para os alemães, independentemente da religiosidade de cada um, a árvore de Natal é um símbolo de paz, tranqüilidade e introspecção.)
 No paganismo  as árvores eram consideradas simbolos da fertilidade, pois as suas folhas rebentavam, após o Inverno, facto provávelmente, em função da qual a árvore se converteu num símbolo da celebração do nascimento de Cristo.


E possívelmente  a  escolha recaiu sobre o abeto e o pinheiro, porque estas árvore se encontram sempre verdes e devido também à sua forma que lembram os  campanários.
... E assim chegamos aos nossos dias, e a árvore de Natal descartado o abeto e para bem do pinheirinho, se pode adquirir em qualquer loja, de matéria plástica e  dura uma vida inteira..☺ ㋡

* No entanto ainda se pode ver por aí e passada a época natalícia,  pequenas arvores (pinherinhos) em formação,  no lixo...!
E porque é Natal
Ouçam o grito...E FELIZ NATAL...!

.. ❀*•.¸¸♥





terça-feira, 5 de dezembro de 2017

A culpa do azevinho

O azevinho, a planta sagrada dos Druídas, era suspenso no exterior das casas dos Vikings como um sinal de paz e de boas-vindas aos estrangeiros. Há um  hábito criado pelos Druídas de as pessoas se beijarem debaixo do azevinho selando um compromisso, mas parece estar confinado ao mundo da língua inglesa, já que não se encontram vestígios dele noutros países

Para os primeiros cristãos, segundo os quais Cristo fora crucificado numa cruz de madeira de azevinho, o peso da culpa fizera murchar a planta que não sendo utilizada na decoração das igrejas se manteve contudo, como o emblema por excelência da época natalícia.

Segundo historiadores  o azevinho também está  ligado à história cristã, por ter auxiliado a esconder Jesus Cristo dos Soldados de Herodes.E que a título de reconhecimento, lhe terá dado a vantagem de conservar as folhas verdes por muito tempo, mesmo durante os meses frios de Inverno. As folhas espinhosas e os bagos vermelho-sangue servem para incutir nos cristãos a memória de que Cristo nasceu para ser coroado de espinhos e derramar o seu sangue para livrar  os Homens do pecado.


Actualmente, o azevinho é mais planta decorativa que sagrada, mas a sua presença  na época natalícia mantém-se , sendo considerada, um símbolo de proteção

O azevinho é também alimento de aves que em época de escassêz alimentar comem as suas bagas, e pelo que me foi dado obeservar nem precisam de amadurecer, para serem consumidas.
* É protegido por lei, desde 1989 em todo o território do continente português , que proíbe o arranque, e o corte total ou parcial, o transporte e a venda de azevinho espontâneo

Fotos : Quinta de Covelo e Arca d'Agua- Porto

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

A arte e a vida

Numa das minhas saídas diárias  deparei-me com este singular acontecimento... Digo acontecimento, porque não imagino o trabalho que deu e o que penou,  para chegar ao seu destino, sem final aparente.

Um portão.
Belíssimo por sinal. Já não se faz arte assim.

Um portão que possivelmente já conheceu melhores dias vindo talvez de um palacete, uma casa senhorial,ou até de uma quintinha Com ele os respectivos suportes em granito, dentro de uma loja de antiquário, para os lados da rua do Bonjardim

Transparências de uma vida em vidas sem (...) transparências...!

Como disse  Óscar Wilde  (Cada um de nós pára no tempo em busca do segredo da vida...)

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

A Arvéola (1)

Naquele bom tempo,
Quando Nossa Senhora ia andando
pró Egipto,
sobre a burrinnha montada,
temendo alguma cilada
contra o seu Filho bendito.

Já o tremoço era nado e seco,
 de cada lado da estrada.
Punham-se as vagens tinindo ,
como quem diz: - «Vão fugindo,
por aqui, pela calada...»

Então a Senhora disse.
pra que sempre se cumprisse
seu pensar :
- « Que nunca pra teu castigo,
tremoço mau, inimigo,
a fome possas matar

Nunca fartarás ninguém ;
crescerás: mas ouve bem,
durará, muito pouco a tua vida,
pois logo a terra, em seguida,
de novo te comerá - »

Mal a Virgem se calou,
um novo susto a tomou
e num ai
ouviu  para a dianteira
a codorniz chocalheira
gritar bem alto : - Cá vai!» -

E  a modos de quem chamava
o mesmo grito soltava
prazenteira ...

Então, para a castigar
tornou Maria a falar
e disse desta maneira :

-« Por teu grito perseguida
nunca mais em tua vida,
poderás
ver-te ao alto arrebatada :
mas só, rasteira e humilhada
junto à terra voarás !» -

Ora se há muito que vinha
saltitando a arvelinha
na estrada.
Seguindo a Virgem Maria ...
e tão calada seguia,
que até não fora notada .

Contudo, em todo o caminho,
com devoção e carinho,
trabalhando,
com sua cauda varrera
as pegadas que fizera
S. José, ao ir passando.

Ao ver tamanha humildade,
A Virgem Mãe, com bondade,
murmurou :
- «Os mais fortes vencerás!
Bendita sempre serás » !
E sorrindo a abençoou.

                                        ✿❀ ✿❀ ✿❀


(1)  Tradição popular açoreana  - O povo da ilha de S. Miguel, chama às arvéolas  «galinhas» de Nossa Senhora, e o seu canto é tido como sinal de bom agoiro

Armando Cortes Rodrigues
(Poeta micaelense, contemporãneo )
do seu livro, Em louvor da Humanidade.

sábado, 4 de novembro de 2017

O presente de Natal

Quando eu tinha nove anos costumava aparar o relvado de uma senhora  de idade e minha vizinha chamada senhora Long Ela pagava-me pouco, o que não era de estranhar,  naquele tempo  não havia  muito dinheiro.

 Mas dizia-me sempre:
Quando chegarmos ao Natal você vai  ganhar  um presente. E dizia-o com tanto entusiasmo que eu me convenci que ia receber algo fantástico.
Passava horas imaginando o que seria. Os meus amigos tinham luvas de beisebol bicicletas e patins de gelo, que eu desejava ardentemente e acabei por me convencer que o presente da senhora Long seria uma dessas coisas.


No meu último sábado de trabalho a senhora Long declarou:
- Agora lembre-se, por ter sido um bom menino durante o  Verão, no Natal estarei à sua espera para lhe dar o presente . Venha buscá-lo.

Com a aproximação do Natal era difícil controlar a vontade para não ir até à porta da senhora Long e reclamar o meu presente . Afinal era só o principio de Dezembro e muito cedo para isso.
Chegou o dia 15  e também o dia 20 e a minha família a recordar-me  a dizer-me para ter calma que os presentes de Natal nunca se abriam  antes do dia de Natal.


No dia 21 de Dezembro uma forte onda de frio congelou todos os lagos e os meus amigos puderam usar os seus patins O meu desejo de possuir os meus embora não pudesse abrir o presente antes do dia, tornou-se insuportável
Foi impossivel resistir mais. E no dia 22 de Dezembro desci a rua e bati à porta da casa dela  e declarei.
. Vim buscar o meu presente senhora Long.

 - Eu estava à sua espera - disse ela conduzindo-me à sala de estar com as suas janelas de reposteiros  de veludo vermelho


Convidou-me a sentar numa cadeira enquanto, enquanto se afastava  para no  minuto seguinte aparecer diante de mim com um embrulho que de maneira  nenhuma  poderia conter uma luva de beisebol, um par de patins.e muito menos uma bicicleta

Experimentei uma dolorosa decepção, mas que  me recorde não o demonstrei porque durante toda a semana  os meus familiares me haviam prevenido:
- Seja o que for que ela lhe dê,  receba-o cortêsmente e agradeça.

O embrulho tinha cerca de 25 centímetros de comprimento por 30 de largura e não mais de 1 centímetro de espessura e ao pegar nele a sua extrema leveza cativou-me Não pesava quase nada.

 Entretanto o desapontamente foi sendo substituído pela curiosidade
- O que é? - perguntei.
 - Você verá no dia de Natal
Sacudi-o. Nada balançou, mas pude captar um som misterioso e abafado que me era de algum modo familiar, mas indefinível.
- Que é? - perguntei novamente

E uma espécie de mágica disse a senhora Long.
E foi tudo...

As palavras dela lançaram na minha mente um turbilhão de possibilidades e quando cheguei a casa eu já estava convencido que levava comigo uma grande maravilha.

Como me pareceu longa a noite de Natal! Havia outros presentes , mas a só caixa da senhora Long  se sobrepunha a todos, pois relacionava-se com a tal magia...

Na manhã de Natal e antes do nascer do sol eu já tinha a caixa sobre os joelhos e rebentava o cordão colorido e usado que a amarrava. De seguida retirei o papel que a envolvia e  uma caixa muito fininha, apareceu aos meus olhos.
Excitadíssimo ergui a tampa  e dentro deparei-me com uma pilha brilhante de 10 folhas finas de papel,  negro cada uma rotulada com letras iridiscentes.
Vagamente recordei que o presente tinha algo a ver com mágica e com essa palavra nos meus lábios, voltei-me para os adultos  que assistiam à abertura do presente e perguntei

Isto é mágica?

A tia Laura que era professora com grande presença de espírito exclamou:
 - É realmente!

Então, pegou em duas folhas de papel branco colocou entre elas uma das folhas negras  da caixa e com um lápis escreveu o meu nome  na folha de cima. Depois,  retirando-a e também o papel carbono entregou-me a segunda folha onde o lápis nem sequer tocara.
E lá estava o meu nome.
Nítido e negro, tão claro e belo como o próprio Dia de Natal!



Fiquei fascinado! Aquilo era realmente mágica...de primeira grandeza! Um lápis escrever numa folha de papel e misteriosamente gravar na outra era um milagre para a minha mente infantil e posso declarar honestamente que,  naquele instante, na obscuridade da manhã de Natal, eu aprendi tanto sobre impressão, reprodução de palavras enfim  o mistério fundamental da disseminação de ideias.

Naquele dia de Natal, aprendi tanto ou mais  quanto aprendi nos cinquenta anos seguintes da minha vida.

Passei o dia a escrever incansávelmente  consumindo folhas de papel branco  até que finalmente gastei a última camada de negrura das 10 folhas de papel carbono.  Foi o presente mais encantador que um menino como eu poderia ter recebido infinitamente mais significativo  que uma luva de beisebol, ou um par de patins.
Foi o presente que eu precisava e ganhei-o naquele Natal altura em que melhor o compreendi. E por me haver revelado algo sobre reprodução de palavras  abriu-me os vastos portais da imaginação e as portas do meu futuro.

Já passaram muitos natais na minha vida e outros presentes. Mas nenhum jamais teve tanto valor  tanta importância na minha vida como o presente da senhora Long.

Os presentes  têm apenas um encanto temporário como no caso dos ambicionados  patins,
Mas o grande presente, aquele que nos marca,  perdurará pelo resto das nossas  vidas
.

Só alguns anos depois compreendi que as 10 folhas de papel carbono  que a senhora Long me dera nada lhe tinham custado.  Possivelmente tinha-as usado nos seus trabalhos manuais  e depois de utilizados  tê.las-ia deitado fora, mas teve o engenho de adivinhar que um menino poderia tirar proveito de um presente totalmente estranho na sua esfera de experiências do dia a dia.

Embora não gastasse dinheiro no presente que me ofereceu gastou algo infinitamente valioso...
Imaginação.!

Para  este ano o meu desejo é que algumas crianças recebam dos seus pais parentes e amigos,   presentes que os conduzam a algo que lhes estimule a sensibilidade e a  imaginação

São presentes e experiências destas  - que geralmente pouco ou nada custam - que transformam uma vida  imprimindo-lhe um ímpeto que poderá permanecer pela vida inteira.



James Michener
                                                             

James A. Michener foi  um escritor  norte americano e um dos mais importantes do Século XX
 É o autor de vários livros  entre os quais : As Pontes de Toko Ri, Sayonara, e Histórias do Pacífico Sul

Nasceu em 1907 e faleceu em 1997


Poemas inconjuros

  A espantosa realidade das coisas É a minha descoberta de todos os dias Cada coisa é o que é . E é difícil explicar a alguém quanto isso me...