Quando eu tinha nove anos costumava aparar o relvado de uma senhora de idade e minha vizinha chamada senhora Long Ela pagava-me pouco, o que não era de estranhar, naquele tempo não havia muito dinheiro.
Mas dizia-me sempre:
Quando chegarmos ao Natal você vai ganhar um presente. E dizia-o com tanto entusiasmo que eu me convenci que ia receber algo fantástico.
Passava horas imaginando o que seria. Os meus amigos tinham luvas de beisebol bicicletas e patins de gelo, que eu desejava ardentemente e acabei por me convencer que o presente da senhora Long seria uma dessas coisas.
No meu último sábado de trabalho a senhora Long declarou:
- Agora lembre-se, por ter sido um bom menino durante o Verão, no Natal estarei à sua espera para lhe dar o presente . Venha buscá-lo.
Com a aproximação do Natal era difícil controlar a vontade para não ir até à porta da senhora Long e reclamar o meu presente . Afinal era só o principio de Dezembro e muito cedo para isso.
Chegou o dia 15 e também o dia 20 e a minha família a recordar-me a dizer-me para ter calma que os presentes de Natal nunca se abriam antes do dia de Natal.
No dia 21 de Dezembro uma forte onda de frio congelou todos os lagos e os meus amigos puderam usar os seus patins O meu desejo de possuir os meus embora não pudesse abrir o presente antes do dia, tornou-se insuportável
Foi impossivel resistir mais. E no dia 22 de Dezembro desci a rua e bati à porta da casa dela e declarei.
. Vim buscar o meu presente senhora Long.
- Eu estava à sua espera - disse ela conduzindo-me à sala de estar com as suas janelas de reposteiros de veludo vermelho
Convidou-me a sentar numa cadeira enquanto, enquanto se afastava para no minuto seguinte aparecer diante de mim com um embrulho que de maneira nenhuma poderia conter uma luva de beisebol, um par de patins.e muito menos uma bicicleta
Experimentei uma dolorosa decepção, mas que me recorde não o demonstrei porque durante toda a semana os meus familiares me haviam prevenido:
- Seja o que for que ela lhe dê, receba-o cortêsmente e agradeça.
O embrulho tinha cerca de 25 centímetros de comprimento por 30 de largura e não mais de 1 centímetro de espessura e ao pegar nele a sua extrema leveza cativou-me Não pesava quase nada.
Entretanto o desapontamente foi sendo substituído pela curiosidade
- O que é? - perguntei.
- Você verá no dia de Natal
Sacudi-o. Nada balançou, mas pude captar um som misterioso e abafado que me era de algum modo familiar, mas indefinível.
- Que é? - perguntei novamente
E uma espécie de mágica disse a senhora Long.
E foi tudo...
As palavras dela lançaram na minha mente um turbilhão de possibilidades e quando cheguei a casa eu já estava convencido que levava comigo uma grande maravilha.
Como me pareceu longa a noite de Natal! Havia outros presentes , mas a só caixa da senhora Long se sobrepunha a todos, pois relacionava-se com a tal magia...
Na manhã de Natal e antes do nascer do sol eu já tinha a caixa sobre os joelhos e rebentava o cordão colorido e usado que a amarrava. De seguida retirei o papel que a envolvia e uma caixa muito fininha, apareceu aos meus olhos.
Excitadíssimo ergui a tampa e dentro deparei-me com uma pilha brilhante de 10 folhas finas de papel, negro cada uma rotulada com letras iridiscentes.
Vagamente recordei que o presente tinha algo a ver com mágica e com essa palavra nos meus lábios, voltei-me para os adultos que assistiam à abertura do presente e perguntei
Isto é mágica?
A tia Laura que era professora com grande presença de espírito exclamou:
- É realmente!
Então, pegou em duas folhas de papel branco colocou entre elas uma das folhas negras da caixa e com um lápis escreveu o meu nome na folha de cima. Depois, retirando-a e também o papel carbono entregou-me a segunda folha onde o lápis nem sequer tocara.
E lá estava o meu nome.
Nítido e negro, tão claro e belo como o próprio Dia de Natal!
Fiquei fascinado! Aquilo era realmente mágica...de primeira grandeza! Um lápis escrever numa folha de papel e misteriosamente gravar na outra era um milagre para a minha mente infantil e posso declarar honestamente que, naquele instante, na obscuridade da manhã de Natal, eu aprendi tanto sobre impressão, reprodução de palavras enfim o mistério fundamental da disseminação de ideias.
Naquele dia de Natal, aprendi tanto ou mais quanto aprendi nos cinquenta anos seguintes da minha vida.
Passei o dia a escrever incansávelmente consumindo folhas de papel branco até que finalmente gastei a última camada de negrura das 10 folhas de papel carbono. Foi o presente mais encantador que um menino como eu poderia ter recebido infinitamente mais significativo que uma luva de beisebol, ou um par de patins.
Foi o presente que eu precisava e ganhei-o naquele Natal altura em que melhor o compreendi. E por me haver revelado algo sobre reprodução de palavras abriu-me os vastos portais da imaginação e as portas do meu futuro.
Já passaram muitos natais na minha vida e outros presentes. Mas nenhum jamais teve tanto valor tanta importância na minha vida como o presente da senhora Long.
Os presentes têm apenas um encanto temporário como no caso dos ambicionados patins,
Mas o grande presente, aquele que nos marca, perdurará pelo resto das nossas vidas
.
Só alguns anos depois compreendi que as 10 folhas de papel carbono que a senhora Long me dera nada lhe tinham custado. Possivelmente tinha-as usado nos seus trabalhos manuais e depois de utilizados tê.las-ia deitado fora, mas teve o engenho de adivinhar que um menino poderia tirar proveito de um presente totalmente estranho na sua esfera de experiências do dia a dia.
Embora não gastasse dinheiro no presente que me ofereceu gastou algo infinitamente valioso...
Imaginação.!
Para este ano o meu desejo é que algumas crianças recebam dos seus pais parentes e amigos, presentes que os conduzam a algo que lhes estimule a sensibilidade e a imaginação
São presentes e experiências destas - que geralmente pouco ou nada custam - que transformam uma vida imprimindo-lhe um ímpeto que poderá permanecer pela vida inteira.
James Michener
James A. Michener foi um escritor norte americano e um dos mais importantes do Século XX
É o autor de vários livros entre os quais : As Pontes de Toko Ri, Sayonara, e Histórias do Pacífico Sul
Nasceu em 1907 e faleceu em 1997
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