sábado, 4 de novembro de 2017

O presente de Natal

Quando eu tinha nove anos costumava aparar o relvado de uma senhora  de idade e minha vizinha chamada senhora Long Ela pagava-me pouco, o que não era de estranhar,  naquele tempo  não havia  muito dinheiro.

 Mas dizia-me sempre:
Quando chegarmos ao Natal você vai  ganhar  um presente. E dizia-o com tanto entusiasmo que eu me convenci que ia receber algo fantástico.
Passava horas imaginando o que seria. Os meus amigos tinham luvas de beisebol bicicletas e patins de gelo, que eu desejava ardentemente e acabei por me convencer que o presente da senhora Long seria uma dessas coisas.


No meu último sábado de trabalho a senhora Long declarou:
- Agora lembre-se, por ter sido um bom menino durante o  Verão, no Natal estarei à sua espera para lhe dar o presente . Venha buscá-lo.

Com a aproximação do Natal era difícil controlar a vontade para não ir até à porta da senhora Long e reclamar o meu presente . Afinal era só o principio de Dezembro e muito cedo para isso.
Chegou o dia 15  e também o dia 20 e a minha família a recordar-me  a dizer-me para ter calma que os presentes de Natal nunca se abriam  antes do dia de Natal.


No dia 21 de Dezembro uma forte onda de frio congelou todos os lagos e os meus amigos puderam usar os seus patins O meu desejo de possuir os meus embora não pudesse abrir o presente antes do dia, tornou-se insuportável
Foi impossivel resistir mais. E no dia 22 de Dezembro desci a rua e bati à porta da casa dela  e declarei.
. Vim buscar o meu presente senhora Long.

 - Eu estava à sua espera - disse ela conduzindo-me à sala de estar com as suas janelas de reposteiros  de veludo vermelho


Convidou-me a sentar numa cadeira enquanto, enquanto se afastava  para no  minuto seguinte aparecer diante de mim com um embrulho que de maneira  nenhuma  poderia conter uma luva de beisebol, um par de patins.e muito menos uma bicicleta

Experimentei uma dolorosa decepção, mas que  me recorde não o demonstrei porque durante toda a semana  os meus familiares me haviam prevenido:
- Seja o que for que ela lhe dê,  receba-o cortêsmente e agradeça.

O embrulho tinha cerca de 25 centímetros de comprimento por 30 de largura e não mais de 1 centímetro de espessura e ao pegar nele a sua extrema leveza cativou-me Não pesava quase nada.

 Entretanto o desapontamente foi sendo substituído pela curiosidade
- O que é? - perguntei.
 - Você verá no dia de Natal
Sacudi-o. Nada balançou, mas pude captar um som misterioso e abafado que me era de algum modo familiar, mas indefinível.
- Que é? - perguntei novamente

E uma espécie de mágica disse a senhora Long.
E foi tudo...

As palavras dela lançaram na minha mente um turbilhão de possibilidades e quando cheguei a casa eu já estava convencido que levava comigo uma grande maravilha.

Como me pareceu longa a noite de Natal! Havia outros presentes , mas a só caixa da senhora Long  se sobrepunha a todos, pois relacionava-se com a tal magia...

Na manhã de Natal e antes do nascer do sol eu já tinha a caixa sobre os joelhos e rebentava o cordão colorido e usado que a amarrava. De seguida retirei o papel que a envolvia e  uma caixa muito fininha, apareceu aos meus olhos.
Excitadíssimo ergui a tampa  e dentro deparei-me com uma pilha brilhante de 10 folhas finas de papel,  negro cada uma rotulada com letras iridiscentes.
Vagamente recordei que o presente tinha algo a ver com mágica e com essa palavra nos meus lábios, voltei-me para os adultos  que assistiam à abertura do presente e perguntei

Isto é mágica?

A tia Laura que era professora com grande presença de espírito exclamou:
 - É realmente!

Então, pegou em duas folhas de papel branco colocou entre elas uma das folhas negras  da caixa e com um lápis escreveu o meu nome  na folha de cima. Depois,  retirando-a e também o papel carbono entregou-me a segunda folha onde o lápis nem sequer tocara.
E lá estava o meu nome.
Nítido e negro, tão claro e belo como o próprio Dia de Natal!



Fiquei fascinado! Aquilo era realmente mágica...de primeira grandeza! Um lápis escrever numa folha de papel e misteriosamente gravar na outra era um milagre para a minha mente infantil e posso declarar honestamente que,  naquele instante, na obscuridade da manhã de Natal, eu aprendi tanto sobre impressão, reprodução de palavras enfim  o mistério fundamental da disseminação de ideias.

Naquele dia de Natal, aprendi tanto ou mais  quanto aprendi nos cinquenta anos seguintes da minha vida.

Passei o dia a escrever incansávelmente  consumindo folhas de papel branco  até que finalmente gastei a última camada de negrura das 10 folhas de papel carbono.  Foi o presente mais encantador que um menino como eu poderia ter recebido infinitamente mais significativo  que uma luva de beisebol, ou um par de patins.
Foi o presente que eu precisava e ganhei-o naquele Natal altura em que melhor o compreendi. E por me haver revelado algo sobre reprodução de palavras  abriu-me os vastos portais da imaginação e as portas do meu futuro.

Já passaram muitos natais na minha vida e outros presentes. Mas nenhum jamais teve tanto valor  tanta importância na minha vida como o presente da senhora Long.

Os presentes  têm apenas um encanto temporário como no caso dos ambicionados  patins,
Mas o grande presente, aquele que nos marca,  perdurará pelo resto das nossas  vidas
.

Só alguns anos depois compreendi que as 10 folhas de papel carbono  que a senhora Long me dera nada lhe tinham custado.  Possivelmente tinha-as usado nos seus trabalhos manuais  e depois de utilizados  tê.las-ia deitado fora, mas teve o engenho de adivinhar que um menino poderia tirar proveito de um presente totalmente estranho na sua esfera de experiências do dia a dia.

Embora não gastasse dinheiro no presente que me ofereceu gastou algo infinitamente valioso...
Imaginação.!

Para  este ano o meu desejo é que algumas crianças recebam dos seus pais parentes e amigos,   presentes que os conduzam a algo que lhes estimule a sensibilidade e a  imaginação

São presentes e experiências destas  - que geralmente pouco ou nada custam - que transformam uma vida  imprimindo-lhe um ímpeto que poderá permanecer pela vida inteira.



James Michener
                                                             

James A. Michener foi  um escritor  norte americano e um dos mais importantes do Século XX
 É o autor de vários livros  entre os quais : As Pontes de Toko Ri, Sayonara, e Histórias do Pacífico Sul

Nasceu em 1907 e faleceu em 1997


quarta-feira, 18 de outubro de 2017

A língua Portuguesa


A língua portuguesa é branda para deleitar, grave para engrandecer, eficaz para mover, doce para pronunciar, breve para resolver e acomodada às matérias mais importantes da prática e escritura.

Para falar, é engraçada com um modo senhoril; para cantar, é suave com um certo sentimento que favorece a música: para pregar é substanciosa   com uma gravidade que autoriza as razões e as sentenças; para escrever cartas, nem tem infinita cópia que dane nem brevidade estéril que a limite; para histórias, nem é tão florida que se derrame, nem tão seca que busque o favor das alheias.

Escreve-se da maneira que se lê, e assim se fala.
Tem de todas as línguas o melhor: a pronunciação latina, a origem da grega, a familiaridade da castelhana, a brandura da francesa, a elegância da italiana. Tem mais adágios e sentenças que todas as vulgares, em fé da sua antiguidade. E se à língua hebreia  pela honestidade das palavras chamaram santa, certo que não sei eu outra que tanto fuja de palavras claras em matéria descomposta quanto a nossa.

E para que se diga tudo, só um mal tem, e é que pelo pouco que lhe querem seus naturais, a trazem mais remendada que capa de pedinte

Francisco Rodrigues Lobo
(sécs XVl- XVll)

Francisco Rodrigues Lobo (1575-1621) nasceu na zona de Leiria
Frequentou a Universidade de Coimbra onde se licenciou em Leis
É considerado um dos mais importantes discípulos de Camões
*
Floresça, fale, cante, oiça-se e viva
A portuguesa língua, e já, onde for,
Senhora, vá de si, soberba e altiva.
          
António Ferreira (século XVl)
Poemas Lusitanos

*

O mau Português principia a sê-lo, desde que mareia a pureza da sua língua

Camilo Castelo Branco  (século XlX)
A queda de um anjo


Retirado do Livro de Leitura  a «Terra e a Grei»  1956
 para 1ª ano liceal





sábado, 7 de outubro de 2017

Ode aos animais sofredores


Sobre a pedra friável, à luz do meio dia

vi uma lagartixa .
Da minha passada rangente não fugia,
embora outrora pedrinhas e areia a deslizar
e o mais leve dos sopros a
conseguiam espantar.
Debruçado sobre este ser, vi que o corpinho luzente
murchava a olhos vistos.
Virava a cinzento
seu brilho de esmeralda.
 A língua febril implorava
e revelava fraqueza, tortura,
vida que a abandonava
Pensativo me fui, e chegado ao meu portal
encontrei um gatinho, fantasma no umbral,
gemendo a sua miséria, este lixo peçonhento
pedia morte imediata pedindo fim ao seu tormento

Virei ainda a face, mas meu espírito entorpecido
deixou de sentir o júbilo quente do dia.
Enegrecido
o mar requebrava.
 Em volta bramava o mundo criado,
depósito imundo de tanto sofrimento passado e angustiado .

Jurei então que jamais vos olvidaria
ínfimos bichos cujo destino me afligia.
Quando um dia  minha alma já memória indolor ,
a ambos nos levará, junto do Criador.


Franz Werfel  foi um zoólogo e explorador austríaco  especializado em Herpetologia e Entomologia
Nasceu em 1867 e faleceu em 1939
Defensor acérrimo da vida Werfel chegou a afirmar e muito acertadamente que existe uma ligação directa entre a fé na imortalidade e a compaixão universal para com todos os seres vivos.

sábado, 9 de setembro de 2017

Quadras ao Gosto Popular.

As gaivotas, são tantas. tantas

As gaivotas, são tantas. tantas
Voam no rio pró mar ...
Também sem querer encantas.
Nem é preciso voar.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Wakaba Mutheki - "O Africano Van Gogh"

Segundo uma lenda árabe, «o Diabo desenterrou o embondeiro, enfiou os ramos na Terra e deixou as raízes no ar». E assim vai o mundo... de raízes para o ar!!!



"Tendo eu vivido num abrigo em Joanesburgo, que sobrevive da venda de garrafas de Coca-Cola vazias, experimentei e aprendi a entender a pobreza e o lado mais duro da vida. Essas experiências ensinaram-me a valorizar a vida e inspiraram-me a recriar esta paixão através da arte.
"Wakaba Mutheki




Foi descoberto num abrigo de indigentes em Joanesburgo. Em 10 anos tornou-se um sucesso internacional. Wakaba foi apelidado de "O Africano Van Gogh" pelos meios de comunicação de todo o mundo

  Pintura de : Wakaba Mutheki


http://www.sembachart.com/wakaba-mutheki-paintings-sa.htm


sexta-feira, 28 de julho de 2017

Elementos


De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua
Onde me uni ao mar ao vento e à lua.


Sophia de Mello Breyner Andresen


sábado, 22 de julho de 2017

Rememoração

Casa

Permanece presente como um reino
E atravessa meus sonhos como um rio

Sophia de Mello Breyner Andresen
Fotografias : Casa Andresen


Poemas inconjuros

  A espantosa realidade das coisas É a minha descoberta de todos os dias Cada coisa é o que é . E é difícil explicar a alguém quanto isso me...