O rio Zenza, que, não sendo dos maiores rios de Angola, tem contudo um curso superior a duzentos e cinquenta kilómetros, e sómente a nas alturas do posto de Castendo é que se chama Zenza: até aí tem o nome de rio Bengo.
Habitado em quase todo o seu curso, pela terrível praga de jacarés, que infestam as suas águas, torna-se perigosissima a sua vadeação em quase todos os «matábu», ou portos que os habitantes utilizam na sua passagem.
É frequente o encontro com estes perigosos bichos, ao passar nas suas margens em cujos areais costumam as fêmeas pôr dez doze e até quinze ovos bracos maiores que de perua e que tanto o macho como a fêmea vigiam atentamente revezando.se nessa vigilância. Desta aturada e cuidadosa vigilância é que nasceu a crendice , ainda arreigada em muitos povos, de que os jacarés chocam os ovos, com a vista.
Ao pressentirem, no choco, a aproximação de qualquer animal, retesam as patas dianteiras, levantando a cabeça, e esperam para a defesa dos seus ovos E se alguém se aproxima é derrubado a vergastadas da cauda , dadas tão violentamente, que nenhum homem, por valente que seja, é capaz de se aguentar de pé, com tão poderosa chicotada.
Neste ataque, o jacaré, procura sempre atrair a presa ou o inimigo para perto da água; e, logo que o consegue, faz o possível por aplicar a vergastada para o lado do rio, que é o seu elemento e o único campo onde pode lutar com o mais poderoso animal .
Em terra, é fácil a gente livrar-se dos seus ataques. Com um pouco de sangue frio e a vista bem atenta., o jacaré nunca logra vencer um homem em terra.
Os indigenas costumam roubar-lhe os ovos, de forma curiosa. Logo que descobrem onde o jacaré colocou a postura, dirigem-se para lá, usando de precaução, e levando um cabrito preso a uma corda..
O cabrito começa a berrar:e, enquanto um preto o sustém pela corda, como isco, para atrair a atenção e o apetite do réptil. vai o outro sorrateiramente rastejando proceder à colheita dos ovos , se vê que eles ainda estão capazes.
Como tudo o que existe no mundo, também o jacaré tem um inimigo de respeito, vivendo com ele no mesmo rio, e do qual nunca consegue livrar-se; É o sengue. O sengue é, como o jacaré um grande lagarto, atingindo por vezes o comprimento de um metro e meio, mas não tem mais grossura que um braço de homem . Sendo quase tão comprido como o jacaré,não é mais grosso que uma das suas pernas. É por isso mesmo, mais ágil e tem os dedos providos de unhas córneas, rijas, de oito a dez centímetros. e dentes afiadíssimos. Dispõe de uma prodigiosa força mandibular . Odeia o jacaré e persegue-o com uma sanha feroz mostrando por ele um ódio surdo, como costumam sentir os fracos pelos fortes.
Assim que avista o jacaré, lança-se em sua perseguição, furtando-se hábil, e ligeiramente aos seus ataques e logo que pode tenta passar-lhe sob o ventre, fila-o fila-o e crava-lhe nos sovacos as suas potentes e aceradas unhas, obrigando-o a sangrar, sem que o jacaré lhe possa fazer qualquer dano.
O jacaré vai perdendo sangue, e, com ele, vão-lhe fugindo, as forças.
Depois de três horas de luta, resta um cadáver de jacaré a boiar na água e um sengue, oculto num recôncavo da margem , prostrado pelo cansaço.
F. SANTOS SERRA FRAZÃO (Cinco anos em Angola 1952)
(retirado do meu livro de leitura do 1º. ano do ensino liceal 1952
(retirado do meu livro de leitura do 1º. ano do ensino liceal 1952
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