domingo, 31 de janeiro de 2016

Aparências



Naquela imensa capoeira doirada, ao fundo do parque, as discussões não acabavam. A mais impertinente era sem duvida a galinhola, que, ao menor comentário, desatava num estridente,  - E eu que o diga!E eu que o diga!». Perto dela o pavão era, também insuportável. E os galos e os pombos e as galinhas não se ficavam atrás, em ruidoso falatório.


Certa manhã, uma galinha resolveu tomar o seu banho de terra solta. Estendida como morta, com uma pata no ar, parecia não dar fim aquela sua extravagante posição. Uma outra sorrateiramente aproximou-se para lhe dar a entender que deveria levantar-se, porque ela também sentia o direito de se envolver, refastelada no chão, na terra solta.


E deu-lhe três fortes bicadas.


- Mas que autoridade tens tu ? - perguntou, sentenciosa a primeira.
A segunda respondeu-lhe com mais três fortes bicadas.
- Pouco barulho! Haja decência! Se aqui há alguém que merece respeito, esse alguém sou eu simplesmente - articulou o pavão, abrindo a cauda maravilhosa.





Todos se calaram, dominados pela beleza aparente que o pavão orgulhoso lhes mostrara.


Nisto entra na capoeira, o dono com um amigo. Afagou a galinha que mais punha; elogiou as pombas e os pombos; e. quando olhou para o pavão, soltou este desabafo;

- Isto não me serve para nada; está aqui a encher.
- Mas as penas são de uma grande formosura, ! - respondeu o amigo.


-Pois sim!- acrescentou o dono - Não digo que sejam feias; contudo veja o que fica, se lhe tirarmos as penas!




António Tomás Botto Foi poeta, humorista, contista e dramaturgo português, um dos mais originais e polémicos do seu tempo

sábado, 30 de janeiro de 2016

O tigre e a doninha






Pesou sempre o benefício porque a vaidade ofendeu,
principalmente se o grande, de um pequeno o recebeu

uma história que se aplica belamente aos racionais:
crendo que a tudo excedia no reino da Natureza.


em pérfida rede armada, por esperto caçador.
lida, revolve-se o bruto, e o que faz é apertar-se.

cessa, e do peito raivoso, horrendos bramidos lança.
demandando agrestes frutos, a leve esperta doninha.
foge:
 porém curiosa põe-se de longe a olhar.

despe a soberba e lhe roga que o venha ali socorrer.
que, segura, a desprendê-lo, parte a doninha veloz.
no tenaz, urdido laço; roi aqui roi acolá
e o desfaz em breve espaço.

do que deve ao pequenino, fraco animal se envergonha.

- com receio de que a triste o caso nas selvas conte -
deita-lhe a garra danosa, a débil vida lhe extrai!...


Ninguém acuda ao malvado, se no precipício cai.


BOCAGE (Sec XVIII)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

A caça ao antílope



Quando qualquer tribo resolve dar batalha aos antílopes que povoam as florestas, informa-se primeiro, das posições em que estes ùltimamente se encontraram, quais os caminhos que trilham e os pontos enfim, onde com frequência bebem água.


Combinado o dia da caçada, reúnem-se todos os homens da senzala em ponto não muito distante daquele onde se supõe estarem os animais, fazendo-se acompanhar dos seus rafeiros meio selvagens, com mais aspecto de chacais do que de animais domésticos, focinho ponteagudo, pêlo ouriçado, muito magros e por eles exclusivamente ensinados para tal fim.


A inteligência dos aborígenes consiste no conhecimento perfeito dos hábitos destes animais, e do partido que sabem tirar da sua incrível ligeireza corporal.


Armados de arcos, setas, zagaias, e com os competentes rafeiros, divide-se o troço de caçadores em duas fracções: uma a maior, passa para o lado do vento, largando seguidamente fogo ao mato, na extensão de alguns kilómetros; a outra espalha-se logo em semicírculo pela banda oposta a fim de tomar o passo a quantos bichos ameaçados pelas chamas, intentarem fugir pelos pontos não invadidos.


Começa então uma cena verdadeiramente interessante. Correm, saltam, apertam os pobres animais num círculo de ferro e fogo e,  no meio de gritos latidos, urros e detonações, envolvem o campo de acção, entregando-se a completo delírio.


Estabelece-se a luta terrível. De uma parte, os antílopes aterrados com a vista das chamas próximas e ataques repetidos dos cães, defendem a sua existência a todo o transe; da outra, os indígenas no meio de toda esta confusão, desenvolvendo incrível actividade, vibram golpes em todos os sentidos.


... Ao cair da tarde, a atmosfera, assombrada pelo fumo da grande fogueira, reflete os pálidos clarões do último gigante da floresta, que arde; o crepúsculo, invadindo o vasto recinto esbraseado, deixa ver iluminadas, essas centenas de homens cobertos de cinzas e de sangue, intrépidos entre as derradeiras línguas de fogo, de armas em punho, derribando o inimigo, com certeiros golpes.

ao sacrifício de tantas vítimas indefesas, não deixa de ser grandioso o quadro a que, à semelhança de cataclismos, somos em poucas horas, transportados por um bando de homens perseguidos pelo desejo e necessidade de se alimentarem, em regiões onde o mais simples recurso custa às vezes a existência!




H. Capelo e Roberto Ivens (De Benguela às Terras d Iaca)

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Ausência



red black  rose    O íntimo fresco do teu adeus   Despertar o coração magoado   que a tristeza distancia,  é como calcetar as nuvens para nos sentirmos mais seguros.   E quando as estrelas silenciam as luzes,   nós nos perdemos no escuro do céu,   e único ponto de referencia,  é saudade cristalina do olhar teu        Clarissemalha (Poesia portuguesa):
Desde que, por não te ver,
Vejo-te em tudo... noite escura,
Resta-me só a ventura
De duvidar em dizer: — Qual mais custa: se a tristeza
De um adeus amargurado,
Se a dura e firme certeza
De estar penando a teu lado


Manuel da Silva Gaio (Coimbra, 6 de Maio de 1860 — Coimbra, 11 de Fevereiro de 1934) foi um poeta, teorizador e ensaísta português.

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Centésimo (O) macaco



 Um macaco capturado e preso  numa jaula não sabe fugir de lá .
Aconteceu a mais um segundo  um terceiro e um quarto macacos encarcerados juntamente com ele. Foi-se aumentando o número até se chegar ao CENTÉSIMO macaco e a jaula desfez-se em bocados e todos fugiram.
Moral da História:
Se enquanto sozinho um indivíduo é quase impotente, em grupo actuando em conjunto, pode quebrar a mais forte das correntes.


Esta ideia foi também  aplicada  ao misterioso fenómeno da massa crítica de transferència de informação, através de animais ou da espécie humana.
O fenómeno foi pela primeira vez observado, em Inglaterra, em 1952, quando os distribuidores de leite com cápsulas em metal ( Até então as garrafas de leite eram seladas com papelão. )
.Chapim azul:
Um passarito, o Chapim azul, depressa descobriu como furar a cápsula e beber o leite. Esta descoberta feita por esses pequenos pássaros aconteceu em Londres e espalhou.se rápidamente pelo sul de Inglaterra.


Ao principio o alastramento aconteceu a  um ritmo que podia ser explicado em termos perfeitamente gerais. O hábito estava a alastrar de acordo com a observação; um chapim via outro a furar a cápsula com o bico e copiava a técnica.


Mas subitamente  em 1955 deu-se uma mudança . De repente todos os chapins azuis assim como todos os chapins da Europa, sabiam o truque. O número de pássaros com tal conhecimento tinha atingido a massa crítica, produzindo uma explosão de informação relevante através da espécie


 A este fenómeno o cientista britânico Rupert Sheldrake inventou o nome para o descrever e chamou-lhe :
«Ressonância Mórfica»

domingo, 24 de janeiro de 2016

O sapo fanfarrão



The Frog:
Os sapos são diligentes amigos do lavrador
Passam as noites contentes em constante labor,
a limpar as searas de todo o bicho daninho.
Têm qualidades raras, que merecem o carinho
dos homens tão imperfeitos.
Mas têm também  os seus defeitos,
como qualquer mortal.


Um tal conheci eu, que era  muito fanfarrão.
Porem aconteceu ser castigado e muito bem,
porque os defeitos não ficam bem a ninguém..

Um dia quando ia em companhia doutro sapo seu compadre,
adregou de se afastar um pouco do companheiro,
num lameiro, onde um boi ia pastar.
O pobre louco em tão má hora o fêz
que foi cair sem sentir, sob a pata da rês.

O boi tão mansinho, coitadinho, nem deu por tal;
isto é, nem mesmo viu ao pôr o pé, que pisava aquele bicho tão feio.


Como pastava a bom pastar, nem sequer pensava em se afastar
do lugar, em que se encontrava.



O sapo metia dó, coitado!


Amachucado sem se poder mexer e só, sem ver o compadre,
que ia ser dele?


Aquele, em verdade  sentiu a falta do camarada, e vá de gritar
em voz alta;
- Compadre amigo, onde está você?
Não vê que é longa a caminhada?

Venha daí, venha comigo, não vê o perigo de ficar aí sozinho?

O outro, via, via, mas que fazer?
Que remédio, havia de ficar ali muito quieto,
até o boi querer?

Dar a saber ao amigo a causa da sua ausência? Isso é que não!
Santa Paciência...
Antes morrer! -

Fêz-se forte, valentão;
e, mesmo à beira da morte a custo respondeu:
- Compadre amigo, siga o seu caminho,
Custa-me não ir consigo, deixá-lo sózinho;
mas eu
(não veja nisto bravata)
não o posso acompanhar porque tenho de ficar
aqui a segurar, este boi por uma pata...


ABEL SANTOS (?) 1950

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Um preguiçoso e o bicho da da seda


- « Feliz a borboleta! Livremente voa
para onde quer, onde lhe apraz»
- dizia lamentando-se um rapaz,
na escola negligente.
«estudar, estudar o dia inteiro,
não pode haver, mais duro, cativeiro.!
Bicho da seda, poderás dizer-me,
se, alegre, essa prisão, vais fabricando?»

- «Faço-o até com prazer» respondeu o verme - ,
pois cá de dentro, sairei voando!»


António de Azevedo Castelo Branco
Lira Meridional (Século XIX)


António de Azevedo Castelo Branco (1843-1916) Foi um advogado, jurista, escritor, poeta e político português

Poemas inconjuros

  A espantosa realidade das coisas É a minha descoberta de todos os dias Cada coisa é o que é . E é difícil explicar a alguém quanto isso me...