domingo, 19 de março de 2017

A Primavera

A Terra é mãe eterna. A fecundá-la
passam os ventos, passa o sonho e a dor;
Apodrecem os corpos numa vala,
e desfolham-se as folhas duma flor.


Para que produza, matam-se a cavá-la
A Primavera, o poeta e o cavador
Todos com ânsia, para profundá-la,
todos amando-a, para que dê amor!


Mondam-se os trigos, sob os claros ares;
florescem nas ramadas os fecundos
rebentos; alvorecem os pomares...


E a Terra, a grande mãe alvoraçada,
sente no ventre, remexer, profundos
frutos, de cada beijo, cada enxada!



Afonso Lopes Vieira (século XlX- XX)
Poesias escolhidas
Retirado do livro a «Terra e a Grei»  1956
 para 1ª ano liceal


sábado, 18 de março de 2017

O outro lado das coisas

As palavras são fundantes?
Também desagregam.

O amor cega?
Também revela

O ódio destrói?
Também liberta.

A dúvida paralisa?
Também inspira.

A coragem é altruista?
Também é soberba.

O medo atrapalha?
Também protege.

A vida é tragédia?
Também é gloriosa.

A morte é o termo?
Também é recomeço.


João  Melo
/Auto-Retrato)


Jornalista, escritor e professor universitário Nasceu em Luanda em 1953
Publicou até agora vários livros de poesia e ensaios, 
Membro fundador da União dos Escritores Angolanos, actuou neste orgão como secretário geral e presidente da Comissão Directiva .Actualmente dirige uma agência de comunicação privada

terça-feira, 7 de março de 2017

Libera-me

Livrai-me, Senhor,
De tudo o que for
Vazio de amor.

Que nunca me espere
Quem bem me não quer
(Homem ou mulher).

Livrai-me também
De quem me detém
E graça não tem,

E mais de quem não
Possui nem um grão
De imaginação.

Carlos Queirós
Portugal
5 Abr 1907 // 27 Out 1949

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Carta a Ophélia Queiroz




Ophelinha:
Agradeço a sua carta. Ela trouxe-me pena e alívio ao mesmo tempo. Pena, porque estas coisas fazem sempre pena; alívio, porque, na verdade, a única solução é essa — o não prolongarmos mais uma situação que não tem já a justificação do amor, nem de uma parte nem de outra. Da minha, ao menos, fica uma estima profunda, uma amizade inalterável. Não me nega a Ophelinha outro tanto, não é verdade?

Nem a Ophelinha, nem eu, temos culpa nisto. Só o Destino terá culpa, se o Destino fosse gente, a quem culpas se atribuíssem.
O Tempo, que envelhece as faces e os cabelos, envelhece também, mas mais depressa ainda, as afeições violentas. A maioria da gente, porque é estúpida, consegue não dar por isso, e julga que ainda ama porque contraiu o hábito de se sentir a amar. Se assim não fosse, não havia gente feliz no mundo. As criaturas superiores, porém, são privadas da possibilidade dessa ilusão, porque nem podem crer que o amor dure, nem, quando o sentem acabado, se enganam tomando por ele a estima, ou a gratidão, que ele deixou.
Estas coisas fazem sofrer, mas o sofrimento passa. Se a vida, que é tudo, passa por fim, como não hão-de passar o amor e a dor, e todas as mais coisas, que não são mais que partes da vida?

Na sua carta é injusta para comigo, mas compreendo e desculpo; decerto a escreveu com irritação, talvez mesmo com mágoa, mas, a maioria da gente — homens ou mulheres — escreveria, no seu caso, num tom ainda mais acerbo, e em termos ainda mais injustos. Mas a Ophelinha tem um feitio óptimo, e mesmo a sua irritação não consegue ter maldade. Quando casar, se não tiver a felicidade que merece, por certo que não será sua a culpa.

Quanto a mim...
O amor passou. Mas conservo-lhe uma afeição inalterável, e não esquecerei nunca — nunca, creia — nem a sua figurinha engraçada e os seus modos de pequenina, nem a sua ternura, a sua dedicação, a sua índole amorável. Pode ser que me engane, e que estas qualidades, que lhe atribuo, fossem uma ilusão minha; mas nem creio que fossem, nem, a terem sido, seria desprimor para mim que lhas atribuísse.
Não sei o que quer que lhe devolva — cartas ou que mais. Eu preferia não lhe devolver nada, e conservar as suas cartinhas como memória viva de um passado morto, como todos os passados; como alguma coisa de comovedor numa vida, como a minha, em que o progresso nos anos é par do progresso na infelicidade e na desilusão.
Peço que não faça como a gente vulgar, que é sempre reles; que não me volte a cara quando passe por si, nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor. Fiquemos, um perante o outro, como dois conhecidos desde a infância, que se amaram um pouco quando meninos, e, embora na vida adulta sigam outras afeições e outros caminhos, conservam sempre, num escaninho da alma, a memória profunda do seu amor antigo e inútil.
Que isto de «outras afeições» e de «outros caminhos» é consigo, Ophelinha, e não comigo. O meu destino pertence a outra Lei, de cuja existência a Ophelinha nem sabe, e está subordinado cada vez mais à obediência a Mestres que não permitem nem perdoam.
Não é necessário que compreenda isto. Basta que me conserve com carinho na sua lembrança, como eu, inalteravelmente, a conservarei na minha.
Fernando
29/XI/1920

Um mimo...☹ ☺ ㋡ ...!

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Porque tem Fevereiro 28 dias




No século VI a.C., nos finais e queda do seu império os romanos adotaram um calendário baseado nas mudanças de fase da Lua, com 355 dias distribuídos em 12 meses. O ano começava em março e terminava em janeiro, sendo que os meses tinham 29 ou 30 dias. Fevereiro, o décimo-primeiro mês, era considerado de mau agouro e ficou com apenas 28 dias. Mas, durante o Império, em 46 a.C., sob o governo de Júlio César, houve uma mudança significativa: o calendário passou a basear-se no ciclo solar. Os meses, então, mudaram todos para 30 ou 31 dias, somando 365 no período de um ano. Nesse mesmo período, foi instituído o ano bissexto - mudança inspirada no calendário dos egípcios , com um dia adicional a cada quatro anos.


Em 44 a.C., no segundo ano de vigência do calendário juliano, o Senado decidiu homenagear o imperador e propôs que o mês Quintilis, com 31 dias, se passasse a chamar Julius (julho). Três décadas depois, em 8 a.C., o nome do oitavo mês, Sextilis, foi mudado para Augustus (agosto), em honra do então imperador César Augusto. Como um César não podia ter mais dias que o outro, agosto - que tinha originalmente 30 dias - ganhou mais um, retirado de fevereiro, que ficou com 28. Para manter o critério de alternância do calendário instituído por Júlio César, setembro passou para 30 dias e assim sucessivamente. Mais tarde, já no século XVI, o papa Gregório XIII inaugurou um novo calendário, corrigindo algumas distorções do sistema romano. Mas o calendário gregoriano, adotado até hoje pelo mundo cristão ocidental, não mexeu no número de dias de fevereiro.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Perdão

Seria o beijo
Que te pedi,
Dize, a razão
(outra não vejo)
Porque perdi
Tanta afeição?
Fiz mal, confesso:
Mas esse excesso
Se o cometi,
Foi por paixão,
Sim por amor
De quem?... de ti!

Tu pensas, flor
Que a mulher basta
Que seja casta,
Unicamente?
Não basta tal;
Cumpre ser boa,
Ser indulgente.
Fiz-te algum mal ?
Pois bem; Perdoa

É tão suave
Ao coração
Mesmo o perdão
De ofensa grave!
Se o alcançasse,

Se o conseguisse,
Quisera então
Beijar-te a mão,
Beijar-te a face ...
Beijar? Que disse !
(Que indiscrição...)
Perdão ! Perdao!




João de Deus  
Campo de Flores
•.¸¸♥ •.¸¸♥ •.¸¸♥•.¸¸♥ •.¸¸♥ •.¸¸ Tanta ternura, lindo, lindo  •.¸¸♥

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Última vontade e testamento de um cão

Antes de morrer em 1953, Eugene O'Neill era já conhecido como o Shakespeare americano.
Escreveu mais de de 30 peças de teatro, e quase todas refletem  uma mensagem de  luta,  heróica, e trágica do homem e que lhe valeram  vários  Prémio Pulitzer .
Recebeu também o Prémio  Nobel da Literatura
O "testamento" que se segue, é  uma excepção na obra de O'Neill pelo seu sentimentalismo e senso de humor.
Foi escrito para atenuar o desgosto da sua mulher Carlota, pouco antes da morte, por velhice do seu cachorro, em Dezembro de 1940.
                                                        

.¸¸.•*•❥ Eu, Silverdene Emblem O'Neill (Blemie para a família e amigos)  devido ao peso dos anos e das enfermidades,  considerando que o meu fim se aproxima deixo  na mente do meu dono, as minhas ùltimas recomendações  e testamento. Ele só se aperceberá delas depois da minha morte e desde já lhe peço que as trascreva em minha memória.


Bens materiais não tenho. Os cães são mais sábios que os homens e nao dão grande valor às coisas, não perdem o seu tempo acumulando propriedades nem  perdem as suas horas de sono preocupados em arrecadar objectos nem a desejar os que ainda não têm.

Nada tenho de valor para legar, a não ser o meu amor e a minha fé.

Estes deixo-os a todos que nesta vida me amaram:
 aos meus donos, que  sei. sentirão mais a minha falta;
A Freeman, que foi sempre tão bom para mim;
 A Cyn, Roy, Willie  e Naomi... se prosseguisse, enumerando os que me amaram, obrigaria o meu dono a escrever um livro.

Peço aos meus donos que nunca me esqueçam, mas que não chorem demais por mim. Causa-me pena pensar que a minha morte seja para eles motivo de dor. Devem lembrar-se que embora nenhum cachorro tenha tido uma vida melhor que a minha ( e devo isso ao amor e cuidado que tiveram comigo) agora estou cego, surdo e alquebrado e até o meu olfacto começa a falhar-me de tal modo   que até um coelho pode passar-me pelo focinho e eu não dar por isso, e  o meu orgulho e amor-próprio desapareceram, num mar de humilhação.
É como se a vida escarnecesse de mim, por estar a retardar as despedidas.É hora de dizer adeus antes de me tornar um fardo pesado, para mim e para os que me amam. Será uma pena deixá-los, mas não é pena morrer.
Os cães, não temem a morte como os homens. Aceitamo-la como parte da vida e não como algo de estranho e terrível .
Gostaria de partilhar  a confiança dos meus parentes dálmatas devotos maometanos  que existe um Paraíso onde se é sempre jovem e feliz, onde se passa o tempo perseguindo belas e lânguidas huris com manchas lindas; onde há  coelhos «ligeiros» e se contam como as areias do deserto: onde cada hora é hora de comer: onde nas noites mais longas há lareiras, com lenha a arder indefinidamente e um cachorro se pode enrodilhar, piscar para as chamas cochilar e sonhar recordando os velhos tempos na Terra e o amor dos seus donos.

Receio que isso esteja muito além daquilo que mesmo um cachorro como eu possa almejar.

Porém, paz, estou certo que terei para um velho coração, cabeça e corpo cansados, e sono eterno sob a terra que tanto amei.
Talvez até isto seja o melhor.

E por  último, tenho um  pedido muito importante a fazer:
 Certa ocasião ouvi a minha dona a dizer: « Quando Blemie morrer, não quero mais nenhum cachorro. Gosto tanto dele que jamais poderei gostar de outro»


Peço-lhe agora, que por amor a mim, tenha outro cachorro. O contrário seria triste homenagem à minha memória.


 O que me deixaria feliz seria o facto de eu ter pertencido à familia e ela nunca mais poder  viver sem um cachorro dentro de casa. Nunca tive um espirito mesquinho e ciumento. Sempre acreditei na bondade da maioria dos cachorros. Alguns naturalmente são melhores que os outros mas todo o mundo sabe que não há quem se compare aos dálmatas. Sugiro pois, que o meu sucessor seja também um dálmata.


Dificilmente ele chegará a ser tão nobre, bem educado, atraente e distinto como eu fui nos bons tempos. Porém estou certo que ele se esforçará, para lhes agradar e até comparando os seus defeitos, ele contribuirá para manter bem viva a minha lembrança.
Para ele, deixo a minha coleira, a minha correia, o meu casaco e impermeável, feitos por medida por Hermès de Paris.

É claro que ele não os saberá usar, com a mesma elegância,como a minha ao  circular  na Place Vêndome em Paris, ou mais tarde, na Park Avenue em Nova Iorque, e despertar  os olhares em mim, cheios de admiração; apesar de tudo repito estou convencido que ele , fará tudo, para não parecer um mero vira-latas. e até de certo modo poder comparar-se a mim, E com todos os defeitos que porventura tenha, deixo-lhe aqui os meus votos de que goze da felicidade  que sei  terá. na minha velha casa.

Uma última palavra de despedida meus queridos donos.
Sempre que visitarem o meu túmulo, murmurem nos seus íntimos, com  saudades, mas felizes com a recordação  da longa vida, que passamos juntos;


                                  « Aqui jaz alguém que nos amou e a quem nós amamos»
Por mais profundo que seja o meu sono, eu os escutarei e nem todo o poder da morte, pode impedir que o meu espirito agradecido, abane alegremente o rabo .¸¸.•*•❥




Eugene Gladstone O'Neill (Nova Iorque, 16 de Outubro de 1888Boston, 27 de Novembro de 1953) foi um dramaturgo anarquista e socialista estadunidense. Recebeu o Nobel de Literatura de 1936 e o Prêmio Pulitzer por várias vezes.


                                    




Poemas inconjuros

  A espantosa realidade das coisas É a minha descoberta de todos os dias Cada coisa é o que é . E é difícil explicar a alguém quanto isso me...