domingo, 27 de agosto de 2023

Uma fazenda nas montanhas N'Gongo

   


Tive uma fazenda em África, no sopé das montanhas N'gongo

O Equador passa cento e sessenta quilómetros a norte desta região e a fazenda ficava a uma altitude de mais de dois mil metros.

Durante o dia sentíamo-nos mais perto do sol, mas as madrugadas e os fins de tarde eram límpidos e tranquilos e as noites frias.

A situação geográfica e a altitude combinavam-se para criar uma paisagem inigualável. A terra não era farta nem luxuriante; era África destilada por dois mil metros de altitude, a essência forte e depurada de um continente. As cores eram secas e queimadas como as da cerâmica. As árvores tinham uma folhagem leve delicada, cuja estrutura é diferente das da Europa; não crescia em arcos ou cúpulas mas em camadas horizontais, fazendo com que as árvores altas e solitárias se assemelhassem a palmeiras ou  conferindo-lhe um ar heroico e romântico de galeras  de velas desfraldadas, e à  orla da floresta uma estranha aparência, como se ela vibrasse ligeiramente. 

Sobre a erva das vastas planícies havia velhas árvores dispersas, retorcidas e espinhosas, e a erva era aromática como o tomilho e a murta; em certos lugares o odor era tão intenso que fazia arder as narinas.

Todas as flores que se encontravam nas planícies ou nas trepadeiras e lianas da floresta eram minúsculas como as flores dos prados e só no início das estações da longa estação das chuvas florescia nas planicies uma profusão de grandes  lírios perfumados Os panoramas eram imensamente vastos  e tudo o que se avistava evocava grandeza, liberdade e uma incomparável nobreza.

A principal caracteristica  da paisagem, e da vida, que nela se vivia era o ar. 

                                     



  Ao recordar uma temporada passada nos planaltos africanos  fica-se com a impressão de ter vivido, durante algum tempo, suspenso. O céu raramente tinha uma tonalidade mais forte do que azul pálido ou lilás com uma profusão de nuvens imensas, imponderáveis em constante mutação, acasteladas ou parecendo vogar, mas era sempre de um azul vigoroso que, a uma curta distancia, tingia as cordilheiras e os bosques de um azul  escuro intenso.  A meio do dia, o ar era uma coisa viva sobre a terra, como uma chama a arder; cintilava, ondeava e brilhava como água corrente, espelhava e duplicava todos os objectos, criando grandes miragens . Lá no alto, nos cumes, respirava-se com facilidade, inalando uma confiança vital e leveza de coração . Quando se acordava de manhã, pensava-se:

                                «  Aqui estou eu, onde devia estar »    

                                                                    

             Karen Blixen nasceu em Rungsted  Dinamarca  em 1885

Descendente de uma familia da alta nobreza dinamarquesa, o seu pai suicidou-se quando ela tinha apenas dez anos. Estudou artes em Copenhaga Paris e Roma.

Em 1914 contraiu matrimónio com o seu primo o barão Bror Blixen-Finecke .

Emigraram juntos para África para gerir uma plantação no Quénia..

Contudo o casal não permaneceu muito tempo unido e, em 1921, divorciaram-se.. Apesar disso a baronesa decide ficar ám África. É aí que começa a escrever, incentivada pelo seu amante inglês . A morte deste e o fracasso económico da plantação obrigam-na a regressar à Dinamarca em 1931.

Em 1934 publica nos E.U.A. sob o pseudónimo de Izak  Dinesen uma antologia de contos sobrenaturais intitulada  Sete contos góticos O livro obtém um grande êxito  e, em pouco tempo, conquista o mercado europeu.

Mas serão as suas memórias narradas em África minha  (1937) que a tornarão mundialmente famosa, eclipsando o resto da sua produção.

O filme baseado neste relato receberá oito Óscares em 1985.

 Regressaria mais tarde a  África com  Sombras no Capim  (1960 ) uma obra autobiográfica.

                                                            

                                                                           

  



     

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