sábado, 5 de dezembro de 2015
O lobo a raposa e o macaco
No meio da floresta imensa povoada ela mais abundante e variada flora, erguia-se o "palácio da justiça" de toda a bicharada silvestre: um giganteso carvalho grosso e já carcomido cujas franças se estendiam por sobre o arrelvado solo, cobrindo-o com a sua sombra bemfazeja.
Aí vivia com numerosa família um macaco já adiantado em idade, que tinha sido eleito pelos habitantes da selva juíz de todas as contendas.
Todos o estimavam já por ele ser velho já porque as suas sentenças se caracterizavam por aquela imparcialidade e justiça que não vê amigos nem inimigos e dá a cada um o que a cada um pertence.
Havia já muito tempo que o macaco não era chamado a julgar qualquer crime ou demanda.
Um dia, porém, quando ele, sentado num grosso ramo contemplava os exercícios acrobáticos de dois filhos, e mais quatro netos, a quem ia dando os conselhos que julgava convenientes, chegaram junto do carvalho, um lobo e uma raposa, cujas atitudes denotavam que o primeiro não podia deixar de ser queixoso, e que a segunda era ali conduzida como ré ou acusada.
Logo que os viu, o macaco desceu do seu posto de observação e veio descendo lestamente para um ramo mais próximo dos recém-chegados.
Todos os macacos e macaquinhos, pressentindo novidade, abandonaram as variadas ocupações em que se entretinham, e, de ramo em ramo, aos saltos e dando guinchos de alegria, foram postar-se em lugar donde melhor pudessem presenciar o espectáculo. Faziam um barulho ensurdecedor; mas o velho símio olhou-os carrancudo , deu-lhes um berro, e imediatamente toda aquela macacaria irrequieta tomou a postura das estátuas.
- Que é que querem ? - perguntou ele.
A raposa, ia falar, muito mansa ; o senhor juíz, poré, impôs-lhe silêncio.
- Fale primeiro o lobo - ordenou.
- Saiba vossa senhoria, senhor juíz, que aqui a minha comadre me roubou ontem, a melhor peça de caça que eu tinha para o jantar de hoje.
- Roubou ontem o que tinha de ser comido hoje?
Adiante. E tu o que dizes raposinha?
- Eu digo que não roubei coisíssima nenhuma!
- Muito bem! - exclamou o juíz.
E, voltando-se para o lobo:
-Tens testemunhas?
- Não senhor juíz. Mas foi ela concerteza.
A raposa estava calada . Os macacos sentados ou dependurados nos ramos, trocavam palavras em voz baixa, ou riam-se piscando os olhitos vivos e maliciosos.
Então o juíz tossiu, escarrou para o lado, limpou os beiços à cabeluda mão, e pronunciou a sentença:
- Ouvidos o queixoso e a ré; devidamente ponderados os seus depoimentos, e pelo conhecimento que tenho dos costumes de ambos, concluo que tu, lobo, não foste roubado, mas tenho a certeza que a tua comadre raposa já alguma vez te larapiou.Pelo que vos condeno a serdes bastonados, pelos oficiais da minha justiça
Ditas que foram estas últimas palavras desceram da árvore quatro latagões, de quatro macacos, armados de cacetes que, se não deram a matar, foi sómente porque os dois animais desavindos, depois de levarem as primeiras pancadas, resolveram fugir, um para cada lado, enquanto todos os macacos se riam a bom rir, daquele desfecho da questão.
José P. Tavares - Cinquenta Fábulas de Fedro
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