segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O leão e o asno




O leão achava-se neurasténico e sem vontade de perseguir os fracos.
Veio o médico e receitou-lhe distracções e passeios entre as boninas. (flores)
- Talvez lhe fizesse bem o teatro...
O leão saiu do seu covil e logo deu de cara com um burro, a meditar à beira de uma estrada.
- Que fazes por aqui ó pensador solitário?
- Estou a ver se pela sombra, distingo o tamanho das minhas orelhas..
- Não sejas tonto, pois as tuas orelhas são de tal formato,
que só quem for como tu, poderá determinar-lhes  a extensão.
Acaso  já o Sol pensou em saber até onde chegam os seus raios?
A comparação lisonjeou o orelhudo, que logo zurrou de contentamento.
- Que portentosa voz ! -
Ganharias uma fortuna se te apresentasses em público.
- Os empresários mostram-se exigentes...
- Vem comigo que talvez te não arrependas.
 
Os dois foram andando mui calados .
A certa altura o leão sugeriu:
- Conserva-te aqui a zurrar, a zurrar sempre, enquanto eu corro a chamar
os tigres, as panteras, e os chacais para te aplaudirem.
O burro, não se fez rogado, acordando com a sua formidável trompa,
os ecos das solidões. Decorrem uma e mais horas. Ninguém aparecia.
- Quis-se rir de mim!- ocorreu-lhe.
E, envergonhado pôs-se a andar na direcção do curral.
Que vêem os seus olhos pasmados?
O leão dormia como um justo, ressonando com fragor, à sombra de uma palmeira.
Utilizara-o como soporífero.
 
MORAL DA HISTÓRIA
 Quando os fortes te elogiam, desconfia deles, e de ti mesmo

JOAQUIM MANSO
Joaquim Manso (Cardigos, Mação, 16 de Novembro de 1878Lisboa, 10 de Setembro de 1956) foi um jornalista, fundador do Diário de Lisboa  (1921-1990), que se notabilizou como escritor e ensaísta. Dirigiu, também, Diário de Lisboa : edição mensal [ (1933) e foi redactor principal de A Pátria, cargo que ocupou até 1921, ano em que fundou o Diário de Lisboa, de que foi logo director durante 35 anos. Colaborou em diversas publicações periódicas como a revista Arte & vida  (1904-1906) e Atlantida (1915-1920).
Foi sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa e professor do Conservatório Nacional de Lisboa, onde regeu a cadeira de Literaturas Dramáticas.

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