Camões comparado
Aos mais escritores,
Nem entre os maiores
Foi sempre igualado:
Qual deles deu brado
Com tantos primores,
Tais frutos e flores
De engenho inspirado?
Com graças tão finas,
Ciência tamanha?
Estâncias divinas!
Qual deles lhe ganha?
Os mais são colinas,
Ele é a montanha!
sábado, 14 de janeiro de 2017
quarta-feira, 4 de janeiro de 2017
Cantigas Populares
Ó ares da minha terra,
Vinde por aqui levar-me:
que os ares da terra alheia
nao fazem senão matar-me !
Trabalhai, dobrai o corpo,
se quereis ter algum bem;
olhai que nas eras de hoje,
quem não trabalha não tem.
Eu casei-me e cativei-me
"inda não me arrependi:
quanto mais vivo contigo,
menos posso estar sem ti.
Minha mãe é pobrezinha
nada tem para me dar:
dá-me beijos coitadinha,
e depois põe-se a chorar!
Minha mãe era uma santa,
por quem sempre chorarei,
porque amor igual ao dela,
nunca mais encontrarei.
Nem só de alegre se canta,
nem só de triste se chora;
de alegre tenho eu chorado
e de triste canto agora.
Cláudio Basto, (Flores de Portugal)
( o médico professor)
Cláudio Filipe Oliveira Basto, nasceu em Viana do Castelo em 1886 e faleceu em Carcavelos em 1945
Era formado em medicina ainda que paralelamente se tenha dedicado mais ao ensino em escolas secundárias e escolas profissionais e ao estudo dos costumes da língua e literatura portuguesa como professor e com funções de médico escolar
Escreveu e publicou vários livros entre os quais « Foi Eça de Queirós um plagiador? »
domingo, 25 de dezembro de 2016
O meu Pai Natal angolano
O meu Pai Natal angolano foi sempre um homem pobre.
. Vinha de noite, muito tarde, entorpecido e cansado. Deixava um carrinho, e às vezes rebuçados, nas sandálias da minha infância.
Não trazia o pesado casaco nem o capuz do Pólo Norte a baloiçar-lhe nos ombros. Vinha de calções e suspensórios vermelhos sobre uma camisa interior branca. Cada passo era como uma onda do mar: cadenciado. Calçava chinelos de borracha e o trenó era uma velha bicicleta, igual a muitas que vi nas picadas do Sul guiadas por homens energéticos e afáveis. Deixava-a encostada ao muro da casa, cheia de pó dos longos e intermináveis caminhos da noite africana.
Eu dormia mal nessas noites antigas. Revolvia-me muito na cama, ansioso, numa vigília que culminava sempre com um rumor de passos. Eram tão leves que pareciam os da «Princesa», a nossa amorosa e fecunda gata.
Levantava-me devagar para não acordar o meu irmão Carlos. A cama rangia, os meus ossos. Invadiam-me o susto e a expectativa de tal modo que todo eu tremia. Espreitava aquela presença surreal suspenso de curiosidade.
Via então o Pai Natal sondar o escuro como um farol alumia a distância. Dos seus olhos corria uma ténue luz de pirilampo. Abaixava-me com cuidado para que não me visse. No entanto, queimava-me por dentro aquela vontade de correr ao seu encontro, abraçá-lo, e pedir-lhe que ficasse um pouco comigo. Precisava tanto que me explicasse por que gostamos de alguém de repente, que milagre acontece dentro de nós, que prisão?
Os rios sinuosos das emoções adejavam no meu peito e asfixiavam-me porque não tinham voz. Eu levava dentro de mim o peso dos dias e a alegria selvagem do amor. A ternura era uma espécie de caos, e eu nem sabia que essa palavra existia. Como poderia explicar o que sentia pela Olga, uma flor em movimento?
Ela era uma menina do meu colégio. Eu morria quando ela estava longe; perto dela todos os momentos se iluminavam. Eu cantava com as minhas mãos porque tudo me parecia música e o mundo um jardim. Desejava tocar-lhe no rosto, abrir os dedos entre os seus cabelos, respirá-los, beijá-los. No recreio, extasiava-me ver como a luz, caída dos mamoeiros, a perseguia por todo o lado como fosse uma borboleta.
Eu gostaria que o Pai Natal me tivesse explicado tudo sobre a solidão e o êxtase. E o que mais tarde aprendi aos trambolhões pela vida fora: que o amor é um sentimento sem barreiras. Tanto é ave como beatitude e incêndio. E que nessa viagem há uma espécie de divindade que nos dignifica e sustém entre o deserto e as cinzas, a arbitrariedade e a melancolia.
Mas eu não podia aproximar-me dele. Se ele me visse, estava certo, nunca mais voltaria. Ficava-me pelo seu vulto, pois, agachado sobre as nossas sandálias. Contentava-me em observar os seus movimentos como numa cena em câmara lenta.
Quando ele se ia embora, silencioso como entrara, eu regressava ao meu reino de sombras.
A cama recebia-me então com o frio de um túnel abandonado. Imóvel e de olhos fechados, escondia a cabeça sob o lençol tentando adormecer.
No último Natal da inocência o Pai Natal não foi tão cuidadoso como nas outras vezes: fez barulho. Todos os seus movimentos demonstravam pressa.
A curiosidade fez-me aventurar um pouco mais. Foi então que lhe vi o rosto.
Já na minha cama, senti uma imensa vontade de chorar. Será que devia acordar o Carlos e dizer-lhe? Agarrei-me à almofada como um náufrago à bóia salvadora. E assim acabei por adormecer.
Pela manhã, à mesa do pequeno-almoço, o carrinho de plástico no colo, vi o meu Pai Natal angolano olhar para mim com os olhos do meu pai.
Eduardo Bettencourt Pinto
Gabela Angola 1954
Palavras no Branco
sábado, 17 de dezembro de 2016
Presépio
Dos teus vários brinquedos de criança,
muitos dos quais te dava o Deus-Menino,
há um que mais perdura na lembrança:
o presépio que armaste em pequenino .
A igreja de cartão que tu fizeste,
onde um par de bonecos se casou!
E o desgosto profundo que tiveste
Quando o padre de barro se quebrou!
Um galo empoleirado sobre um sino,
de bico muito aberto de contente,
cantava anunciando que o Menino
sobre s palhas nascera humildemente .
Mais além, era um rancho que folgava,
com guitarras pandeiros e violas,
tendo à frente uma preta que dançava
brandindo com salero, as castanholas
E lavadeiras, frescas e formosas,
entoavam canções ao desafio;
e, arregaçando as saias vaporosas,
lavavam debruçadas sobre o rio.
Junto à fonte, sorrindo em seus afagos,
namorados juravam seus amores.
E, descendo a colina, os três Reis Magos
caminhavam à frente duns pastores.
Ao pé da gruta onde Jesus dormia,
um soldado de chumbo, prazenteiro,
com a sua espingarda o protegia
de qualquer inimigo traiçoeiro.
Eram estes bonecos tentadores
que te encantavam num ingénuo afã,
entre velas brilhantes de mil cores,
que se apagavam, só com a manhã.
Foi como se apagou a minha luz,
lançando sobre mim, um negro véu,
naquela madrugada em que Jesus
te arrebatou consigo para o Céu.
Bonecos de expressão entristecidos,
tendes segredos que só eu desvendo
E há vozes no ar gritando, indefinidas,
que dizem coisas que só eu entendo.
E destas rosas de papel, agora
que o tempo as desbotou sem piedade,
o mais vivo perfume se evapora:
- É vivo o perfume da saudade.
*Poesia escrita após a morte de um filho
ESPÍNOLA DE MENDONÇA (do seu livro Gerãnios )
Francisco Espínola de Mendonça nasceu em Ponta Delgada em 1891 e faleceu na mesma cidade em 1944
muitos dos quais te dava o Deus-Menino,
há um que mais perdura na lembrança:
o presépio que armaste em pequenino .
A igreja de cartão que tu fizeste,
onde um par de bonecos se casou!
E o desgosto profundo que tiveste
Quando o padre de barro se quebrou!
Um galo empoleirado sobre um sino,
de bico muito aberto de contente,
cantava anunciando que o Menino
sobre s palhas nascera humildemente .
Mais além, era um rancho que folgava,
com guitarras pandeiros e violas,
tendo à frente uma preta que dançava
brandindo com salero, as castanholas
E lavadeiras, frescas e formosas,
entoavam canções ao desafio;
e, arregaçando as saias vaporosas,
lavavam debruçadas sobre o rio.
Junto à fonte, sorrindo em seus afagos,
namorados juravam seus amores.
E, descendo a colina, os três Reis Magos
caminhavam à frente duns pastores.
Ao pé da gruta onde Jesus dormia,
um soldado de chumbo, prazenteiro,
com a sua espingarda o protegia
de qualquer inimigo traiçoeiro.
Eram estes bonecos tentadores
que te encantavam num ingénuo afã,
entre velas brilhantes de mil cores,
que se apagavam, só com a manhã.
Foi como se apagou a minha luz,
lançando sobre mim, um negro véu,
naquela madrugada em que Jesus
te arrebatou consigo para o Céu.
Bonecos de expressão entristecidos,
tendes segredos que só eu desvendo
E há vozes no ar gritando, indefinidas,
que dizem coisas que só eu entendo.
E destas rosas de papel, agora
que o tempo as desbotou sem piedade,
o mais vivo perfume se evapora:
- É vivo o perfume da saudade.
*Poesia escrita após a morte de um filho
ESPÍNOLA DE MENDONÇA (do seu livro Gerãnios )
Francisco Espínola de Mendonça nasceu em Ponta Delgada em 1891 e faleceu na mesma cidade em 1944
sexta-feira, 25 de novembro de 2016
Num álbum
Eu olhos sei de uns,
que desde que os vi,
não vi mais nenhuns!
Vê tu por aí
se os achas; senão,
descubro-os a ti.
Que lindos que são !
Que modo de olhar!
Que terna expressão!
Já tenho pesar,
de os ver, porque enfim...
Que posso esperar...?
Ver fitos em mim
tais olhos...jamais
por certo; e assim,
suspiros e ais
é quanto terei,
de ver olhos tais!
Só vendo-os se crê
na graça, na cor.
No fluido, ou não sei.
Que doce esplendor...
Tão doce, que eu
não posso supôr
que exista outro céu
João de Deus
«Campo de Flores»
quinta-feira, 24 de novembro de 2016
O primeiro cartão de Boas Festas
O primeiro cartão de Boas Festas foi desenhado por J. C. Horley em 1843. (USA)
O uso de cartões de Boas Festas divulgou-se quando os serviços postais (também eles novidade) tornaram possível o envio.
O uso de cartões de Boas Festas divulgou-se quando os serviços postais (também eles novidade) tornaram possível o envio.
quarta-feira, 23 de novembro de 2016
Descobrimentos
Saudavam com alvoroço as coisas
Novas
O mundo parecia criado nessa mesma
Manhã...1
Sophia de Mello Breyner Andresen,
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